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A história por trás de um rosto: O mineiro que virou garoto propaganda do comunismo soviético

Stakhanov na capa da revista Time em 1935 - Reprodução/BBC
Stakhanov na capa da revista Time em 1935 Imagem: Reprodução/BBC

Dina Newman

31/12/2015 08h42

Em dezembro de 1935 a capa da revista semanal norte-americana Time foi estampada com a foto do célebre trabalhador soviético Alexei Stakhanov. Numa época em que os Estados Unidos ainda amargavam a Grande Depressão, Stakhanov tornava-se cada vez mais um conhecido garoto propaganda para o comunismo soviético, a "cara" de um novo movimento operário dedicado a aumentar a produção - mas sua fase áurea não duraria para sempre.

"Ele amava seu emprego, e tudo que conquistou foi através de seu próprio trabalho árduo, talento e perseverança", diz Violetta Stakhanova, filha de Alexei Stakhanov.

O trabalhador era parte de uma equipe que atuava na mina de Donbass, uma região produtora de carvão localizada na Ucrânia, então parte da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS).

Sob o sistema soviético, todas as minas eram controladas pelo Estado, que estabelecia metas de produção mensais - e a mina onde Stakhanov trabalhava apresentava na época uma das piores performances da região.

'Solução brilhante'

"Ele era extremamente competitivo, e pensava sempre em como aumentar a produtividade de sua mina, até que eventualmente criou uma solução brilhante", diz a filha, Violetta.

O mundo da mineração da década de 1930 era muito diferente do atual. Na época, os mineiros usavam picaretas para extrair o carvão, que era então colocado em carrinhos e puxado para fora dos túneis por pôneis de carga. A ideia de Stakhanov para agilizar o processo consistia em montar uma "linha de produção".

Um mineiro ficaria constantemente extraindo o carvão, enquanto outro ficaria encarregado de somente colocar o carvão no carrinho. Um terceiro garantiria a sustentação do teto do túnel e um quarto conduziria o pônei ao entrar e sair do túnel, escoando a produção.

Ao invés da picareta tradicional ele também quis introduzir uma broca de perfuração, que na época pesava 15 kg e requeria treinamento específico.

14 vezes a meta

Após um voto de confiança de seus superiores, que decidiram testar a ideia, no dia 30 de agosto de 1935, às 22h, Alexei Stakhanov e três colegas entraram na mina, acompanhados de um dirigente local do Partido Comunista e um jornalista.

Seis horas mais tarde, eles saíram, triunfantes, tendo produzido 120 toneladas de carvão, mais de 14 vezes a meta.

Reconhecido imediatamente, o trabalhador foi presenteado com flores entregues por uma delegação de mulheres da região, o jornal local publicou a história e o ministro da Indústria levou o fato ao conhecimento de Joseph Stalin, então líder da URSS.

Publicado no jornal central do partido, o Pravda, o feito do mineiro já havia sido batizado de "método Stakhanov", e com a aprovação de Stalin, foi adotado em toda a União Soviética.

Na mina em Donbass, no entanto, nem todos ficaram felizes com a novidade. Alguns chegaram a ameaçar Stakhanov com facas, dizendo que agora tinham que trabalhar muito mais.

Enquanto isso, ele passou a viajar por todas as repúblicas soviéticas divulgando suas ideias.

Vida amorosa

Sua namorada na época, Yevdokia, uma cigana da etnia Roma, não conseguiu lidar com seu novo status de celebridade nacional e o abandonou, deixando com ele seus dois filhos.

Pouco depois, numa de suas viagens, ele se encantou com Galina Bondarenko, estudante que tinha a metade de sua idade e que se tornou sua mulher. De família pobre porém bem educada, Galina terminou os estudos após o casamento.

"Meu pai adorava minha mãe. Ela não o amava, exatamente, mas o respeitava, como um homem mais velho. Eu não acho que ela era loucamente apaixonada por ele, como algumas mulheres são por seus maridos", diz a filha do casal, Violetta.

'Stakhanovistas'

Nos meses que se seguiram, em diversas viagens ao redor da URSS, Stakhanov recrutou milhares de trabalhadores de diversos ramos da agricultura e da indústria soviéticas.

Um repórter da revista Time cobriu a Primeira Conferência do 'Movimento Stakhanovista' em Moscou, e a partir daí uma nova palavra surgiu. Em russo, os stakhanovets, e em inglês, os stakhanovites, ou stakhanovistas, em português - o termo descreveria para sempre as pessoas que trabalham arduamente, de acordo com o método de Stakhanov.

Na conferência, Stalin saudou a novidade. "A vida ficou mais fácil, camaradas, a vida ficou mais feliz. E quando se está feliz, o trabalho flui bem. Se nossa vida fosse difícil, triste e sem alegria, nós não teríamos tido o movimento Stakhanovita", disse à multidão.

Aplaudido na época, o discurso do líder soviético sobre a "vida se tornando mais feliz" foi visto com sarcasmo pelos russos décadas depois, já que para a grande maioria dos cidadãos da URSS a década de 1930 acabou sendo uma época de fome e repressão estatal brutal.

Moscou, comenda e alcoolismo

Apesar do sucesso e do status de grande celebridade soviética, os anos seguintes tiveram um sabor agridoce na vida de Stakhanov. Emprego na máquina burocrática em Moscou e diversas regalias, mas um fim triste e amargo.

Após o discurso de Stalin o Partido Comunista deu a Stakhanov um apartamento de elite na capital da URSS e um emprego no ministério do Carvão. Por outro lado, sua linda e jovem mulher, Galina, o ajudava a navegar os meandros maquiavélicos da política soviética.

Fim amargo e solitário

Em 20 anos vivendo em Moscou, Stakhanov por vezes ressaltava não ter o preparo educacional para lidar com a máquina burocrática, nunca se acostumou de fato com sua nova e complicada vida na capital e sentia falta de seus colegas na mina de carvão.

Em 1957, quatro anos depois da morte de Stalin, o novo líder soviético, Nikita Khruschev, não viu necessidade de manter Stakhanov em Moscou e ordenou que ele voltasse a Donbass.

Para o criador do método revolucionário, o retorno foi interpretado como uma espécie de "exílio virtual" - sobretudo porque sua família ficou em Moscou - e seus últimos 20 anos de vida acabaram sendo marcados pelo alcoolismo.

Sua filha, Violetta, diz que o pai sempre comentava a decepção com o fato de ter esperado 35 anos para receber do Partido Comunista a maior comenda soviética, a de "Herói do Trabalho Socialista", concedida a ele somente em 1970.

Alexei Stakhanov morreu após um infarto em Donbass, no leste da Ucrânia, em 1977. Uma cidade da região leva seu nome em sua homenagem.