Topo

O 'caso de amor' entre Trump e a imprensa russa

3.nov.2016 - Jornais russos ridicularizam Hillary e exaltam Trump - Reprodução
3.nov.2016 - Jornais russos ridicularizam Hillary e exaltam Trump Imagem: Reprodução

03/11/2016 17h56

Durante a campanha eleitoral, Donald Trump já chamou a imprensa americana de "nojenta", "corrupta", "tendenciosa" e "desonesta".

Mas se soubesse ler em russo, é provável que o candidato republicano à Presidência dos EUA nutrisse uma grande admiração pela cobertura da mídia em Moscou.

Jornais "pró-Kremlin" têm escrito poesias sobre Trump - e atacado fortemente sua rival, a democrata Hillary Clinton.

"Eu declaro oficialmente que Clinton é uma bruxa maldita", escreveu o político Vitaly Milonov recentemente no tabloide popular "Komsomolskaya Pravda". "É por isso que até um cara engraçado como Trump parece mais razoável em comparação com ela."

Para a imprensa russa, a democrata é "russofóbica".

"A Rússia já está lutando em duas frentes, na Ucrânia e na Síria", argumentou o "Izvestia", outro jornal pró-governo.

"Se a candidata 'amante da guerra' e que odeia a Rússia, Hillary Clinton, ganhar as eleições nos Estados Unidos, uma terceira frente pode surgir no Cáucaso. Vai jorrar dinheiro para apoiar terroristas, assim como aconteceu durante as duas guerras da Chechênia", acrescentou.

"Poderia até haver uma quarta frente na Ásia Central, onde regimes mais fracos já estão sendo atacados por extremistas nas 'Revoluções Laranja'", completou, em referência aos protestos que contestaram as eleições presidenciais na Ucrânia em 2004 - movimento citado pelos russos com uma conotação bastante negativa.

Trump, por sua vez, é enaltecido por sua posição "pró-Rússia".

"Se ele for capaz de colocar em prática 30% dos seus planos com relação à Rússia e ao Putin, vai ser muito bom", opinou o "Moskovsky Komsomolets".

Enquanto Hillary é "russofóbica", Trump é apontado pelo "Komsomolskaya Pravda" como um "cara de fora" da política americana, um "estranho sem conexão com a classe dominante" nos EUA.

"O golpe político contra ele falhou", opinou o jornal do governo "Rossiskaya Gazeta", em referência aos escândalos que permearam sua campanha.

"Os discursos de Trump são despretensiosos, sem o tipo de correção hipócrita do establishment político conservador. Ele expõe os aspectos mais duros da profunda e estrutural crise em que os Estados Unidos se encontram."

Trump e mulheres - na versão russa

Nos EUA, o caso da conversa lasciva de Trump sobre mulheres gravada há 11 anos em um ônibus causou espanto e indignação.

Mas a história foi contada de uma forma um pouco diferente na imprensa russa.

Um dos jornais, "Nezavisimaya Gazeta", um professor da Universidade de Moscou escreveu que "o comentário de Trump foi aquele tipo de 'lenga-lenga' que você ouve enquanto toma um café... e explodiu como se fosse um grande escândalo."

O "Komsomolskaya Pravda" comparou as críticas à fala de Trump com o hackeamento do servidor do Partido Democrata.

"Então hackear o servidor do Partido Democrata e publicar a troca cínica de e-mails dos assessores de Hillary como uma forma de descobrir os métodos usados para financiar sua campanha é algo considerado 'indecente'. Mas gravar secretamente uma conversa particular é ok?"

O "Moskovsky Komsomolets" declarou:

"O 'escândalo sexual' de Trump não é nada... Franklin Roosevelt, que foi presidente americano por quatro vezes, morreu com sua amante no colo. John Kennedy teve centenas de amantes. Uma delas até tinha conexões suspeitas com serviços de inteligência da Alemanha Oriental; outra, amante de um chefe da máfia de Chicago."

'Pró-Trump? Eu não!'

Na semana passada, o presidente russo Vladimir Putin negou as acusações de que Moscou estivesse "favorecendo" Donald Trump nas eleições americanas e disse que essas afirmações são "um lixo completo".

A cobertura da mídia no país, no entanto, é um pouco diferente do que o presidente descreveu - e é possível perceber isso não apenas nos jornais.

Algumas vezes, a televisão estatal da Rússia soa como uma "TV Trump", repetindo diversas vezes as afirmações do candidato republicano de que "as eleições são manipuladas".

Duas semanas atrás, Dmitry Kiselev, o âncora de um dos programas de notícia semanais da TV russa, leu uma parte do texto de Mark Twain chamado "Running for Governor" (algo como "concorrendo a governador" em inglês). O trecho escolhido foi o que falava que as eleições americanas têm um longo histórico de fraude.

No último domingo, ele chamou o pleito de "indireto, desigual, pouco transparente - nem todo mundo pode votar e há várias chances de fraude".

O programa de Kiselev levantou ainda a possibilidade de Trump ser assassinado.

"Eles podem simplesmente matá-lo", declarou o âncora em setembro. "Os Serviços Especiais Americanos não precisam de um presidente como esse. Eles atacam o ódio à Rússia para justificar sua própria existência. Os oligarcas americanos não precisam de Trump... o establishment americano é implacável."

Nesta semana, o "Komsomolskaya Pravda" fez um alerta semelhante, concluindo que "não se podia excluir o cenário mais dramático à la John Kennedy".

Ou seja: se você fosse basear sua visão sobre a eleição americana somente em jornais pró-Kremlin ou na TV estatal russa, você poderia concluir facilmente que elas são fraudadas, que o resultado certamente será contestado e que os EUA enfrentarão um período prolongado de caos pós-eleições.

"Isso ainda não é uma 'Revolução Laranja'. Mas é engraçado", concluiu um animado Kiselev.