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A economia americana não está tão ruim

Paul Krugman

08/12/2015 00h01

Segundo o economista Kevin O'Rourke, que tem feito uma comparação entre a Grande Depressão que começou em 1929 e a Grande Recessão iniciada há quase oito anos, o mundo acaba de passar por um triste marco. Embora a queda inicial desta vez não tenha sido tão ruim quanto o colapso de 1929 a 1933, a recuperação tem sido muito mais fraca, e nesse sentido a produção industrial mundial está sendo pior do que foi na mesma etapa nos anos 1930. Uma conquista notável!

Mas a má notícia se distribui de maneira desigual. Em particular, a Europa se saiu muito mal, e os EUA, relativamente bem. É verdade, o desempenho dos EUA só parece bom se você o situar em um gráfico. Mas o desemprego foi cortado pela metade e o Federal Reserve se prepara para aumentar as taxas de juros em um momento em que seu homólogo, o Banco Central Europeu, ainda busca desesperadamente maneiras de reforçar os gastos.

Agora, eu acredito que o Fed esteja cometendo um erro. Mas o fato de que aumentar as taxas seja mesmo que só meio defensável é um sinal de que a economia americana não está muito ruim. Então o que nós fizemos certo? 

A resposta, basicamente, é que o Fed e a Casa Branca em geral se preocuparam com as coisas certas. (O Congresso nem tanto.) Seus atos ficaram muito aquém do que deveria ter sido feito; o desemprego deveria ter caído muito mais depressa do que caiu. Mas pelo menos eles evitaram tomar medidas destrutivas para combater fantasmas.

Começando pelo Fed. Em seu recente livro "The Courage to Act" ["Coragem para agir", em tradução livre], Ben Bernanke, o ex-presidente do Fed, celebra a disposição de sua instituição a agir e socorrer o sistema financeiro, o que de fato foi a coisa certa a fazer. Mas todo mundo fez isso.

O verdadeiro perfil de coragem foi o comportamento do Fed em 2010-2011, quando reagiu aos pedidos para que endurecesse sua política, apesar do alto desemprego. A pressão foi intensa, com líderes republicanos, incluindo Paul Ryan, o atual presidente da Câmara, acusando Bernanke de "degradar" o dólar e sugerindo que ele estava ajudando de forma corrupta o presidente Barack Obama. Os defensores do dinheiro duro aproveitaram um aumento no Índice de Preços ao Consumidor, alegando que era um prenúncio de alta inflação.

Mas o Fed manteve suas... hum, opiniões, afirmando que o aumento da inflação era uma bolha isolada conduzida principalmente pelos preços do petróleo --e afinal estava certo.
Enquanto isso, do outro lado do Atlântico, o Banco Central Europeu cedeu ao pânico da inflação, aumentou as taxas de juros duas vezes em 2011 e assim ajudou a empurrar a zona do euro para uma profunda recessão.

E a Casa Branca? Alguns de nós advertimos desde o início que o estímulo de 2009 era pequeno demais e desapareceria muito depressa, o que foi confirmado pelos fatos. Mas foi muito melhor que nada, e foi aplicado sobre a oposição de terra-arrasada dos republicanos, que afirmavam que causaria uma elevação das taxas de juros e uma crise fiscal. Mais uma vez, isto contrastou fortemente com a Europa, que nunca deu muito estímulo e recorreu rapidamente à austeridade selvagem nos países endividados.

Infelizmente, os EUA acabaram adotando um bocado de austeridade também, em parte conduzida por governos conservadores, em parte imposta pelos republicanos no Congresso via chantagem sobre o teto da dívida federal. Mas o governo Obama pelo menos tentou limitar os danos.

O resultado dessas políticas não tão ruins é a economia não tão ruim de hoje. Não é uma economia ótima, mas de todo modo o desemprego está baixo, mas isso tem muito a ver com um declínio da fração da população que procura trabalho, e a fraqueza dos salários garante que não haja uma sensação de prosperidade. Mas as coisas poderiam estar piores.
E realmente poderão piorar, e é por isso que o provável aumento de taxas pelo Fed será um erro.

As autoridades do Fed acreditam que o sólido crescimento do emprego nos últimos anos --que aconteceu, aliás, enquanto o Obamacare, que os conservadores afirmavam que seria um matador de empregos, entrava em pleno vigor-- continuará mesmo que as taxas subam.

Eu sou um dos que acreditam que os EUA enfrentam um crescente retardamento devido à fraqueza de outras economias, especialmente porque a alta do dólar torna as manufaturas americanas menos competitivas. Mas aquelas autoridades podem estar certas, e nesse caso esperar para aumentar os juros poderia significar uma certa aceleração da inflação.

Por outro lado, elas podem estar erradas, e nesse caso um aumento da taxa de juros poderia pôr fim à série de boas notícias econômicas. E isto seria muito mais grave que um aumento modesto da inflação, porque não está muito claro o que o Fed poderia fazer para consertar esse erro.

Não tenho certeza por que este argumento, que vários economistas defendem, não está tendo muita aceitação no Fed. Suspeito, porém, que as autoridades foram desgastadas pelas incessantes críticas a suas políticas e querem atirar um osso aos críticos.

Mas esses críticos estiveram errados em cada passo do caminho. Por que começar a levá-los a sério agora?