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Como dizer aos negociadores no Oriente Médio: "passem bem"

Palestino usa estilingue para arremessar pedras contra tropas israelenses na Cisjordânia - Mohamad Torokman/Reuters
Palestino usa estilingue para arremessar pedras contra tropas israelenses na Cisjordânia Imagem: Mohamad Torokman/Reuters

29/10/2015 06h01

Na resenha feita pelo “New York Times” do novo e importante livro sobre a história das relações entre Israel e EUA, “Doomed to Succeed” (em tradução livre, “Fadado ao sucesso”), escrito por Dennis Ross, negociador americano no Oriente Médio, há um momento revelador que chamou minha atenção.

Na véspera da conferência de paz de Madri, em 1991, a delegação palestina levantou algumas reservas de última hora com o secretário de Estado, James A. Baker III. Baker ficou furioso e disse aos palestinos, antes de se afastar: “Para vocês, o mercado nunca fecha, mas para mim já fechou. Tenham uma ótima vida.”

Fiquei impressionado porque esse tipo de fala franca tem estado ausente na diplomacia dos Estados Unidos no Médio Oriente recentemente. Israelenses e palestinos -- em guerra há tempo demais -- estão presos em estufas políticas que eles mesmos criaram, incapazes de surpreender um ao outro com algo positivo e desesperadamente precisando de uma dose de bom senso de um terceiro amigável.

Quando o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, declarou, na semana passada, que o grão-mufti palestino de Jerusalém, Haj Amin al-Husseini -- que conheceu Hitler no início dos anos 1940 -- deu a Hitler a ideia de assassinar todos os judeus, a única conclusão possível era que Bibi está em uma bolha fechada, sem ninguém ao seu redor capaz de dizer: “Veja, Bibi, isso é comprovadamente historicamente falso. Talvez seja melhor manter isso para você mesmo”.

Muitas vezes esquecemos o quanto as partes precisam dos EUA, para usar o princípio da realidade e quebrar a paralisia em suas políticas internas. Às vezes, seus líderes precisam dizer aos seus ministros: “Eu nunca concordaria com isso, mas esses malditos americanos me venceram na queda de braço. Vejam só! Está quebrado! Tive de dizer sim!” As políticas internas israelenses e palestinas são brutais. Como Baker descobriu, se você não falar duro com certa frequência, você entrará como “hora da sesta” em suas programações diárias.

Como seria uma mensagem americana direta hoje? Começaria por dizer publicamente ao presidente palestino, Mahmoud Abbas: “Você rejeitou a oferta sem precedentes do primeiro-ministro israelense, Ehud Olmert, em setembro de 2008, de uma solução de dois Estados, na qual, como relatou o "The Jerusalem Post" mais tarde: ‘Olmert concordou essencialmente em abrir mão da soberania do Monte do Templo em Jerusalém, o local mais sagrado do judaísmo, e propôs que, no âmbito de um acordo de paz, a área que contém os locais religiosos em Jerusalém fosse gerida por uma comissão especial... de cinco países: Arábia Saudita, Jordânia, Palestina, Estados Unidos e Israel’”.

"O 'Post' também disse, 'Olmert abriu para [Abbas]... um grande mapa sobre o qual ele delineou as fronteiras do futuro Estado palestino’, que incluía uma troca mais ou menos igual de terras palestinas na Cisjordânia para abrigar assentamentos israelenses por partes de Israel'."

“Abbas, Olmert ainda está esperando por sua resposta.”

“É claro que, com os palestinos agora divididos entre Gaza liderada pelo Hamas e a Cisjordânia liderada pela sua Fatah, não existe uma única e legítima Autoridade Palestina para aprovar formalmente um acordo de paz abrangente. E também é verdade que você tem se comprometido com a não-violência -- seja abençoado por isso. Mas onde está o seu plano criativo para uma solução provisória que possa, pelo menos, fazer avançar o processo? Por que você fica apenas sentado como um Buda, rejeitando ideias criativas, como as propostas pelo secretário de Estado John Kerry?”

Quanto a Netanyahu, a mensagem franca norte-americana poderia ser: “Você vai se tornar uma figura histórica: o líder israelense que deixou Israel sem nada além de uma solução de um Estado único, em que Israel gradualmente desistirá de ser judeu ou democrático. Sabemos exatamente como é a solução de um Estado. Basta olhar pela janela: palestinos pegando uma faca de cozinha e esfaqueando qualquer judeu israelense, e colonos vigilantes mascarados retaliando".

Na segunda-feira (26), visitei o ministro da defesa de Israel, Moshe Ya’alon, muito decente. Ouvi-lo descrever o teatro estratégico de Israel é de arrepiar os cabelos: A nação tem atores não estatais, vestidos de civis, armados de foguetes, aninhados entre os civis, em quatro das cinco fronteiras -- Sinai, Gaza, Líbano e Síria -- e ele não quer arriscar abrir uma quinta pela simples evacuação da Cisjordânia. Entendo.

Entretanto, tem de haver alguma alternativa entre não fazer nada e fazer tudo. Precisa haver uma alternativa que, pelo menos, dê aos palestinos a chance de testarem o verdadeiro controle sobre um território -- e crie alguma esperança de que as duas comunidades possam se separar de forma segura. E Israel tem de, pelo menos, parar qualquer construção de assentamentos no coração da Cisjordânia, nas áreas há muito designadas para o Estado palestino. Cerca de 70 mil dos 400 mil colonos israelenses hoje vivem nessas áreas, o que está tornando a separação cada vez mais impossível.

É isso que os amigos de Israel não estão vendo. Israel tem tanta energia criativa -- em ciência, tecnologia e medicina, mas não na diplomacia atual. É verdade que Israel pode sobreviver a esta guerra de facas. Mas será que vai prosperar? Será que vai continuar a ser um lugar onde você vai querer visitar e criar seus filhos?

Talvez Israel não tenha escolha.

Mas Israel é um país realmente poderoso. Não é uma Costa Rica desarmada. Ninguém espera que vá desistir de tudo. Contudo, cada vez menos pessoas entendem por que o país coloca tanta energia para explicar por que não pode fazer nada, por que os palestinos são irremediavelmente horríveis e por que nada que Israel faça afetará seu comportamento. Eu realmente temo que Israel esteja cometendo suicídio lentamente, com todos os melhores argumentos.