Muito mais que uma onda no mar: a incrível ciência por trás do surfe
Atraindo desde atletas altamente qualificados (e corajosos) a praticantes de fim de semana, o surfe é um esporte amado ao redor do planeta. Tudo o que você precisa é de mar, ondas e entusiasmo.
E de uma prancha, claro.
Mas se manobras radicais encantam observadores, pouca atenção se presta à ciência que torna isso tudo possível. E que não é nem um pouco menos impressionante.
Uma onda poderia carregar a bateria de 30 milhões de smartphones
Quem já viu ondas batendo na areia percebeu a enorme energia que elas têm. E essa energia parece ser uma das mais promissoras fontes renováveis do futuro, potencialmente suprindo 10% da demanda global.
Ondas são formadas de diversas maneiras, mas na maioria dos casos elas são criadas pelo vento soprando na superfície do oceano. Enquanto a onda viajar em velocidade menor que a do evento, energia será transmitida do vento para a onda.
Há complexas equações que podem determinar de forma precisa a quantidade de energia em uma onda. Em termos simples: o quanto maior a onda, maior sua energia. E existem poucos lugares do mundo com ondas tão grandes como Nazaré, em Portugal.
As monstruosas ondas de lá podem chegar a 30,5m de altura graças à combinação entre a posição geográfica e o relevo submarino. Geradas por tempestades no Atlântico Norte, em profundidades de até 4900 m, as ondulações são amplificadas ao se aproximarem da costa e crescem - bastante.
"Nazaré é como uma sétima maravilha do mundo", explica o surfista Jamie Mitchell, atual campeão do torneio realizado anualmente no "pico" português.
"É como se você voltasse para o tempo em que os gladiadores lutavam e o mundo assistia. Você tenta dar espetáculo e sobreviver ao mesmo tempo."
Imagine a energia contida em uma onda tão grande quanto um prédio de oito andares. Alguns cientistas já estimaram que algumas das "morras" de Nazaré poderiam carregar a bateria de 30 milhões de smartphones. A praia poderia ser a locação ideal para usinas.
Segredos das ondas
Nazaré está longe de ser o único local amado por surfistas por ter ondas "de sonho". O vilarejo de Teahupo'o, no Taiti, por exemplo, é idolatrado por eles. Suas ondas são íngremes e grandes e nem mesmo o risco de ser cortado em pedaços pelos corais do fundo do mar afasta os interessados.
As ondas em Teahupo'o são de um tipo apelidado pelos cientistas de "surto". Não são as maiores do mundo, atingindo um auge de 9,1 m, mas são extremamente volumosas, formadas também pelo encontro de águas profundas com uma costa rasa.
O Taiti é uma ilha vulcânica e seus recifes de coral criam um obstáculo bem íngreme para frear a onda, fazendo com que a parte superior ultrapasse a anterior. Isso deveria resultar em ondas grandes e assimétricas, mas a geologia de Teahupo'o dá origem a um efeito único: a água doce descendo das montanhas vizinhas cria canais no fundo do oceano que previnem a formação de corais. Esses canais criam ondas "limpas" e rápidas ao canalizar a água da beira para o fundo.
A jato sobre a prancha
Dirigir em uma grande cidade pode ser dolorosamente devagar, especialmente nos horários de pico. Em cidades congestionadas, a velocidade média do trânsito pode ser de meros 30km/h.
No mar, porém, a história é outra: durante uma etapa do Circuito Mundial de 2011, o surfista australiano Mick Fanning atingiu velocidade de quase 40km/h sobre sua prancha, o que ajudou a justificar seu apelido de Relâmpago Branco.
Inspiração da natureza
Quilhas, localizadas na parte inferior de uma prancha, são cruciais para dar estabilidade e controle. Tradicionalmente, eram feitas de madeira, mas avanços tecnológicos deram espaço para plástico e materiais compostos, que melhoraram o controle em manobras radicais.
O proximo passo parece ser imitar baleias - mais especificamente suas nadadeiras.
Esses cetáceos enormes também são graciosos. Suas barbatanas possibilitam incríveis manobras submarinas, especialmente curvas fechadas. Um novo tipo de quilha tenta imitar esse comportamento ao flexionar-se em diferentes momentos de contato com a água, o que daria mais velocidade em manobras.
Outro prototipo vai mais à frente: uma quilha de superfície irregular, imitando a barbatana de uma baleia-corcunda, o que aumenta a estabilidade mesmo em ângulos mais fechados e velocidades mais baixas.
O futuro das roupas de surfe também passa por inspiração da natureza. Na busca por macacões que protejam surfistas em águas mais frias sem comprometer a mobilidade, cientistas do Massachussets Institute of Technology (MIT) observaram castores e doninhas.
Esses animais semiaquáticos têm pelos que criam um sistema de isolamento térmico mesmo debaixo d'água. A equipe do MIT criou uma espécie de borracha que imita essas habilidades e que pode se tornar o material para os macacões do futuro.
Patrulha ecológica sobre pranchas
Cientistas sabem que nossos oceanos estão mudando: estão ficando mais quentes e mais ácidos. Seus níveis também estão subindo e isso está levando a alterações climáticas (como mais tempestades), além de alterações em ecossistemas e comportamentos animais.
Para medir essas mudanças, cientistas usam barcos, sondas e até satélites para coletar uma gama de dados em mar aberto. Isso é mais difícil perto da costa, onde as águas são mais agitadas.
Mas uma nova tecnologia pode ajudar a vencer este desafio: a smartfin é uma quilha que contém sensores capazes de medir uma serie de fatores na água, como temperatura, salinidade e oxigênio, por exemplo. As quilhas seriam instaladas em pranchas de surfistas voluntários.
O acadêmico Andrew Stern, fundador do projeto Smartfin e neurologista da Universidade de Rochester, nos EUA, explica que a tecnologia pode ajudar a monitorar cenários como a degradação de corais e populações de crustáceo, que sofrem com o aumento da acidez dos oceanos.
"Essa tecnologia tem como fatores únicos o fato de ser pequena e de baixo custo em comparação com os sensores existentes", explica Stern.
"Sendo assim, oferecemos uma nova geração de sensores que podem ser posicionados em enormes números e em locações previamente inacessíveis".
Golfinhos surfam
Golfinhos já foram vistos surfando ondas e até aproveitando marolas deixadas por grandes navios, não raramente dando saltos no ar. Mas por que os animais se engajariam em atividades que consomem energia e lhe dão poucos benefícios?
Uma teoria é que eles estão simplesmente brincando - ou seja, adotando um comportamento voluntário, intencional e repetitivo, que não ocorre quando os golfinhos estão sob ameaça ou competindo.
Há outras hipóteses: os animais podem estar usando o poder das ondas como forma mais eficiente de locomoção do que nadar debaixo d'água; o impacto com a água pode ajudar a remover parasitas da pele; os ruídos ao mergulhar podem ser um sinal para outros golfinhos na área. Ou pode simplesmente que nas cercanias de barcos haja comida.
É até possível que o comportamento seja uma combinação de todos esses fatores. Mas é tentador pensar que golfinhos apenas gostem de surfar tanto quanto humanos.
Manobras aéreas
Manobras "aéreas" são relativamente novas na história do surfe, mas cada vez comum em competições. Aprendê-las leva anos e seu sucesso depende da velocidade do surfista e de condições ideais da onda. Uma aproximação no ângulo certo usa a onda como uma rampa capaz de fazer o surfista "voar" com a prancha antes de aterrissar na água.
Quanto mais rápido um surfista estiver na onda, mais alto ele "voará" e mais tempo ele poderá passar no ar e encaixar manobras.
- Leia a versão original dessa reportagem (em inglês) no site BBC Earth
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