A hora e a vez do médico que faz mortos 'falarem'
Paulo Saldiva é cientista, ciclista e gaitista. Um dos pesquisadores mais citados do mundo sobre o efeito da poluição do ar na saúde humana, publicou artigos que se tornaram referência sobre o tema nas principais revistas científicas. Mas sua história é muito mais interessante do que essa apresentação.
Médico patologista, comanda o maior centro de autópsias do mundo, na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Ele - e cada um de seus colegas - faz cerca de 40 delas por dia. São quase 20 mil autópsias por ano naquele laboratório subterrâneo - que serviria como cenário perfeito para um filme de suspense.
Movido por uma curiosidade de investigador, Saldiva faz os mortos "falarem" para seus microscópios e aparelhos de ultrassonografia. Das amostras e imagens dos corpos, extrai evidências que revelam muito mais do que as causas de mortes.
"Pepino", como é chamado por seus alunos, descobre quais fatores ambientais influenciaram a vida de seus autopsiados e levaram àquele desfecho trágico. O resultado é um diagnóstico individual e, principalmente, coletivo: como o ar da cidade intoxica e mata parte de seus habitantes.
Para alcançar esses resultados, já alimentou ratos no alto da torre de uma igreja e colocou monitores de pressão em taxistas enquanto eles rodavam pelas ruas poluídas de São Paulo.
Atualmente, está empenhado em descobrir os efeitos das queimadas que tornaram quase irrespirável o ar durante o inverno paulistano. Promete apresentar nos próximos meses o resultado de um punhado de pesquisas sobre o experimento natural que diz estar em curso na maior metrópole do país.
Revelará, por exemplo, quantas pessoas morreram a mais devido à invasão de bilhões de minúsculas partículas oriundas de florestas e canaviais queimados. Suspensas no ar, elas foram inaladas pelos paulistanos nos dias mais secos e enfumaçados do ano e tatuaram seus pulmões de maneira indelével e cumulativa. Precipitaram mortes por doenças respiratórias, cardiovasculares, cerebrais e câncer. Fizeram crianças nascerem prematuramente e com baixo peso.
O próprio Saldiva foi uma delas. Nasceu prematuro, com apenas 1,7 kg, no ano do quarto centenário de São Paulo. Tornou-se asmático e apaixonado pela cidade. A doença não o impediu de virar um ciclista contumaz, que percorre 30 km por dia pelas ruas de São Paulo, deslocando-se de sua casa para a USP, ou apenas perambulando para observar as pessoas. Os vivos o fascinam tanto quanto os mortos.
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Podcast A Hora, com José Roberto de Toledo e Thais Bilenky
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