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Balaio do Kotscho

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Que pode acontecer com o Brasil nos longos meses entre a eleição e a posse?

                                 Bolsonaro durante a "Marcha para Jesus" em Balneário Camboriú (SC): "um exército de 200 milhões"                              -                                 REPRODUçãO DO TWITTER
Bolsonaro durante a "Marcha para Jesus" em Balneário Camboriú (SC): "um exército de 200 milhões" Imagem: REPRODUçãO DO TWITTER

Colunista do UOL

26/06/2022 12h52

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O sempre atilado Hélio Schwartsman, meu amigo da página 2 da Folha, me chamou a atenção hoje em sua coluna "Um presidente desesperado" para algo em que ainda não havia pensado: como serão os três ou dois meses, se houver segundo turno e Bolsonaro perder, como parece mais provável, entre a eleição e a posse do novo presidente.

O colega questiona o que o atual presidente ainda poderá fazer de maldade antes de passar a faixa, mas eu me preocupo mais com o que poderá acontecer com a gente nas mãos de um homem que já está desesperado com a possibilidade da derrota iminente.

"Desperado" é um termo inglês para "bandido", "fora da lei", em especial para malfeitores que agiam no Velho Oeste americano", escreve o colunista. "A palavra foi construída em cima do espanhol "desperado", uma forma obsoleta de desesperado. A ideia é que o sujeito já estava tão encrencado com a lei que já não tinha nada a perder. Se fosse apanhado, seria enforcado ou coisa pior. O desespero só reforçava seu mau comportamento".

É exatamente o que já está acontecendo com Bolsonaro, que usa a Polícia Federal para obstruir investigações da Polícia Federal sobre seu ex-ministro, o reverendo Milton Ribeiro, e os pastores indicados pelo presidente para distribuir verbas no Ministério da Educação em troca de "pequenas doações" para suas igrejas. Até barra de ouro servia.

O cenário da possível transição de governo hoje é completamente diferente daquele de que participei no final de 2002, na passagem do governo FHC para Lula, um rito civilizado, em que os que saíam do governo colaboravam com os que estavam entrando.

Agora, parece que estamos nos preparando para uma guerra, não para uma eleição, muito menos para uma transição pacífica de poder.

Antes de 2018 e do advento do bolsonarismo, a campanha eleitoral era uma festa democrática, em que se trocavam farpas e cotoveladas, mas nada que lembre a baixaria instalada no país de lá para cá. É verdade que ainda não existiam as redes antissociais, a principal arma dos devotos da seita teocrático-miliciana que assumiu o comando do país, com o apoio de setores das Forças Armadas e do mercado.

"E eu tenho dito: um povo armado jamais será escravizado. Vendam as suas capas, comprem espadas, está naquele livro que nós chamamos de Bíblia Sagrada", desafiou o presidente ainda neste sábado, num discurso beligerante, durante a Marcha para Jesus, em Camboriú (SC), quando anunciou que tinha "um exército de quase 200 milhões de brasileiros".

Das duas uma: ou ele não sabe fazer contas ou já está delirando, a 100 dias da abertura das urnas.

Bolsonaro parece já ter desistido de ganhar a reeleição no voto e investe cada vez mais no ataque aos inimigos, quer dizer, Lula e "os vermelhos", as urnas eletrônicas, o STF e o TSE, a ideologia de gênero, a legalização do aborto, o kit gay e todo aquele arsenal de ameaças que o levou à vitória quatro anos atrás, nas ondas da Lava Jato.

Se ele já está assim desesperado agora, dá para imaginar como se comportará daqui para a a frente, antes e depois da eleição, com as suas chances de se manter no poder cada vez mais reduzidas.

O melhor que podemos esperar é não acontecer nada, o Brasil simplesmente parar de funcionar, diante do vácuo de poder antes da posse do presidente eleito.

O pior é o capitão aproveitar o tempo que lhe restará para destruir de vez o que ainda falta, apagar arquivos que podem incriminá-lo e dar uma anistia geral, ampla e irrestrita a ele mesmo, à família e aos devotos.

"É pouco provável que Bolsonaro dedique esse tempo a preparar seu enxoval de cadeia", constata Hélio Schwartzman. "Se perder, e tudo indica que perderá, Bolsonaro se tornará um autêntico "desperado". Só estaremos seguros no dia em que ele perder a faixa".

Assim mesmo, Bolsonaro poderá até passar a faixa presidencial, o que eu duvido, e tentar voltar ao anonimato para escapar da Justiça, mas o bolsonarismo, que se entranhou como um câncer em todos os setores da sociedade brasileira, ainda permanecerá por muito tempo, atravancando a reconstrução do país e a volta à civilidade.

Entre outubro e janeiro, decidiremos em qual país queremos viver daqui para a frente, se até lá ainda existir Brasil, pelo menos como o conhecíamos antes desta tragédia humanitária, política, econômica e social dos últimos três anos e meio.

Estou mais preocupado com o nosso destino do que com o dos bolsonaros, pai, filhos e seus espíritos nada santos.

Não há mal que nunca acabe.

Vida que segue.

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