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OPINIÃO

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Moro no papel de padre Kelmon escracha a armação de 2018 para prender Lula

16.out.2022 - Sergio Moro e Bolsonaro conversam antes do debate UOL/Band: velhos companheiros - Reinaldo Canato/UOL
16.out.2022 - Sergio Moro e Bolsonaro conversam antes do debate UOL/Band: velhos companheiros Imagem: Reinaldo Canato/UOL

Colunista do UOL

17/10/2022 11h19

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Desta vez, Bolsonaro não pôde contar com a parceria do padre Kelmon para intimidar Lula, mas encontrou um substituto à altura: o ex-juiz e ex-ministro Sergio Moro, aquele magistrado isento da República de Curitiba, que jurava nunca entrar para a política nos seus tempos de "herói nacional" da Lava Jato, agora senador eleito pelo Paraná.

"Olha, Lula, eu estou aqui!", Moro parecia querer dizer sem falar nada, promovido ao papel de papagaio de pirata de Bolsonaro, desfilando de cara amarrada ao lado do presidente nos bastidores do debate de domingo na Bandeirantes, esticando o pescoço para as câmeras.

Era essa a "bala de prata" do capitão para dar um cavalo de pau nas pesquisas? Se era, deu chabu, expressão nordestina usada para fogos de artifício que não detonam nem acendem.

Imaginava-se que Moro poderia ter oferecido a Bolsonaro, finalmente, as provas da corrupção de Lula, que não constavam da sentença condenatória que levou o ex-presidente à prisão para não disputar a eleição de 2018. Bem que nos intervalos do debate o ex-juiz-senador subia ao palco junto com outros assessores para cochichar algo no ouvido do presidente, insinuando que estava lhe passando munição nova.

Mas nada disso aconteceu. Orientado por Moro, Bolsonaro limitou-se a repetir denúncias de jornais velhos, já desmascaradas pelo Supremo Tribunal Federal.

A encenação serviu apenas para escrachar a armação jurídica e militar de 2018, que tirou Lula da disputa para abrir caminho à eleição ao capitão. Ficamos sabendo depois que Moro foi convidado por Paulo Guedes para ser ministro da Justiça de Bolsonaro ainda no intervalo entre o primeiro e o segundo turnos, quando o capitão já despontava como franco favorito, depois da facada de Juiz de Fora, ao contrário do que acontece agora.

Rompidos desde abril de 2020, na tumultuada saída de Moro do ministério, em que acusou o presidente de querer interferir na Polícia Federal para proteger parentes e amigos investigados no caso das "rachadinhas", a reaproximação dos dois se deu às vésperas do primeiro turno deste ano. Em baixa nas pesquisas, o ex-ministro queria reconquistar o apoio dos bolsonaristas que o chamavam de "traidor".

"É um escárnio, a demonstração de que ele não tem um pingo de autoestima. Prestou serviço a Bolsonaro como ministro e presta de novo", disse o advogado Marco Aurélio de Carvalho, do grupo Prerrogativas, ao ver a cena da confabulação no palco.

Na verdade, o grande serviço prestado por Moro a Bolsonaro não foi como ministro, em que teve uma atuação medíocre, mas como o ainda todo-poderoso juiz da Lava Jato, quando desempenhou um papel decisivo para determinar os rumos da campanha eleitoral, no momento em que Lula ainda liderava as pesquisas, exatamente como hoje.

Sem facada e sem Lava Jato, agora Moro virou um padre Kelmon qualquer, um bobo da corte sem batina e sem toga, de volta à sua insignificância. E por que fez isso? Na improvável hipótese de Bolsonaro ser reeleito, ele ainda sonha com uma vaga no Supremo Tribunal Federal para fazer parte da tropa de choque bolsonarista no Judiciário.

A presença de Sergio Moro deu ao debate um ar de fim de festa destes tempos sombrios que atrasaram por quatro anos a vida do país. Até o nosso imortal Merval Pereira, quem diria, desistiu de defender essa gente.

Vida que segue.