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Fernanda Magnotta

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Bolsonaro dobrou a aposta e quem paga o preço é o Brasil

O presidente Jair Bolsonaro discursa em carro de som durante ato com pautas antidemocráticas na avenida Paulista - DEIVIDI CORREA/ESTADÃO CONTEÚDO
O presidente Jair Bolsonaro discursa em carro de som durante ato com pautas antidemocráticas na avenida Paulista Imagem: DEIVIDI CORREA/ESTADÃO CONTEÚDO

Colunista do UOL

08/09/2021 11h25

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Desde que diversos movimentos da direita radical ganharam força mundo afora, muitos de nós, analistas políticos, recorremos à obra de Max Weber, um dos maiores sociólogos de todos os tempos, para defender a tese da progressiva normalização de discursos extremistas.

Ao distinguir a "ética da convicção" da "ética da responsabilidade", Weber propõe que, se na esfera privada, o conjunto de valores individuais orienta o comportamento político, no caso da vida pública, enquanto governantes, os homens seriam pautados pela racionalização desses princípios e do permanente cálculo de custos relacionados às decisões tomadas. Com base nisso, faria sentido supor que, uma vez no poder, certos líderes não mais estariam dispostos a lidar com as consequências práticas de afirmações e bravatas feitas nos moldes da vida pregressa.

Na contramão dessa lógica, no entanto, fomos surpreendidos por figuras como Donald Trump, nos Estados Unidos, e Jair Bolsonaro, no Brasil, ambos interessados não só em manter as narrativas que os alçaram ao cargo, mas dispostos a dobrar a aposta em momentos de contestação ou tensionamento.

Nos dois casos, a estratégia incluiu a negação sistemática da realidade e a tentativa de criar um mundo distópico para explicar escolhas mal fadadas e a própria rejeição. A diferença central entre Estados Unidos e Brasil, no entanto, está, como já discutimos nessa coluna outras vezes, na enorme disparidade de capacidades entre os dois atores.

Sabemos que a competitividade internacional dos países é condicionada por um conjunto de fatores que vão desde aspectos internos e estruturais até elementos sistêmicos. Não basta falar de concorrência e mercado, de vantagens competitivas, de estratégia, grau de inovação ou qualidade de recursos humanos de uma sociedade. É premente observar também as externalidades, variáveis que afetam a reputação e a competição no plano externo. Nessa chave estão contidos elementos como infraestrutura, saúde, educação, tecnologia, estabilidade macroeconômica e da atmosfera política.

Se, nos Estados Unidos, o "efeito Trump" causou mal estar em algumas dessas frentes, os efeitos foram equivalentes a apenas uma gripezinha passageira. Já no caso brasileiro, os sintomas parecem sugerir um quadro bem mais grave e com implicações de longa duração.

A má gestão é generalizada. Se a crise derivada da pandemia de covid-19 e os desajustes econômicos do governo Bolsonaro já preocupavam investidores e lideranças internacionais há meses, os discursos de 7 de setembro certamente elevaram o risco Brasil a patamares preocupantes.

O presidente reforçou a percepção de que é um moribundo político que radicaliza para as bases na medida em que reconhece o próprio isolamento. A História tem sido implacável em mostrar que aventuras populistas não resistem à dureza da realidade. Para além do que sugerem as bolhas que monopolizaram a bandeira verde e amarela, o Brasil da vida real tem outras cores: é o Brasil da crise política, econômica, social, intelectual e moral.

Há algumas décadas estamos discutindo como promover uma melhor alocação de recursos no campo da educação, ciência e tecnologia. Falamos em teorias sobre a melhoria do ambiente de negócios, de Schumpeter à Levine. Do ponto de vista da gestão macroeconômica, discutimos as elevadas taxas de juros no mercado interno, os spreads bancários excessivamente altos, o câmbio apreciado, a reestruturação do Estado e a carência na infraestrutura. Falamos da baixa exposição ao mercado internacional e da composição da pauta de exportações com forte dependência em commodities. Enfrentamos os desafios dos escândalos de corrupção, da insegurança jurídica e da necessidade de amplas reformas. Nada disso é novidade.

A novidade é que, hoje, não apenas seguimos com o mesmo cardápio diante de nossos olhos, sem nenhum avanço significativo e com diversos retrocessos em várias dessas matérias, como acrescentamos um componente inédito: a ameaça de ruptura de nosso sistema de governança.

O Brasil de 2021 é o Brasil do caos na saúde pública, da "rachadinha", do desemprego recorde, da inflação galopante, do câmbio desgovernado, da fuga de investimentos e de cérebros. É o Brasil da crise institucional, da polarização e do discurso autoritário. Do desrespeito à imprensa profissional, às instituições educacionais e aos poderes constituídos. O Brasil de 2021 é o Brasil em que a "ética da convicção" colonizou a "ética da responsabilidade".

Para além dos efeitos óbvios que vivemos por aqui, não se pode ignorar que a nossa reputação está derretendo no exterior. O Brasil é visto como um país que foi sequestrado por fanáticos auto interessados. Sempre tivemos os nossos gargalos, mas a situação agora é bem mais crítica. Não basta que o governo comemore suas multidões com registros nas redes sociais. A realidade nua e crua é que ninguém quer sair na foto com o Brasil.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL