A nova coalizão de Trump: muito além da América rural branca
As eleições presidenciais de 2024 nos Estados Unidos marcaram não apenas o retorno de Donald Trump à Casa Branca, mas também uma profunda reconfiguração do eleitorado norte-americano que merece análise cuidadosa. O resultado reflete tendências mais amplas que vêm se manifestando globalmente e revela mudanças significativas na composição do apoio ao ex-presidente.
Em primeiro lugar, o momento global tem favorecido candidatos anti-imcumbência. Como demonstram estudos recentes do Instituto Pew Research, a confiança nas instituições democráticas tradicionais atingiu mínimas históricas em democracias consolidadas. Na Argentina, Milei; na Itália, Meloni; e agora nos EUA, Trump — todos capitalizaram esse sentimento. Kamala Harris, vista como extensão natural do governo Biden (com aprovação em torno de 39% segundo a Reuters/Ipsos), enfrentou o desafio de defender um status quo impopular.
A base rural de Trump manteve-se sólida, mas a verdadeira surpresa veio dos subúrbios metropolitanos. Dados do U.S. Census Bureau mostram que estas áreas, que representam 35% do eleitorado americano, registraram uma mudança significativa em relação a 2020. Em condados suburbanos cruciais como Bucks (Pensilvânia) e Macomb (Michigan), Trump superou suas margens anteriores em 5-7 pontos percentuais.
Mais surpreendente ainda foi o desempenho entre minorias e jovens. Segundo levantamento do Edison Research, o apoio de homens negros a Trump na Pensilvânia mais que dobrou em relação a 2020, atingindo 17%. Entre latinos, especialmente na Flórida e Arizona, Trump conquistou 39% dos votos, um avanço notável em relação aos 32% de 2020.
Fator econômico foi determinante
Com inflação acumulada de 17,4% desde janeiro de 2021 (Bureau of Labor Statistics), o poder de compra do americano médio sofreu erosão significativa. O índice de preços de moradia atingiu níveis recordes, com aumento médio de 43% desde 2020 segundo a Federal Housing Finance Agency. A percepção de deterioração econômica pesou especialmente entre eleitores com renda familiar entre $50.000 e $100.000 anuais.
Por fim, a questão migratória emergiu como catalisador de insatisfações diversas. Com mais de 2,4 milhões de encontros na fronteira sul em 2023 (U.S. Customs and Border Protection), números recordes de atravessamentos ilegais alimentaram narrativas sobre impactos em segurança pública, mercado de trabalho e serviços sociais. Em estados fronteiriços como Arizona e Texas, mais de 60% dos eleitores citaram imigração como preocupação principal (AP VoteCast).
Esta confluência de fatores produziu uma coalizão eleitoral inédita que transcende caracterizações simplistas. Trump conseguiu manter sua base tradicional enquanto expandiu significativamente seu apelo entre grupos tradicionalmente democratas. O resultado sugere uma realinhamento político mais profundo, onde clivagens de classe e percepções sobre ordem social ganham preponderância sobre identidades raciais ou etárias.
Para 2028, o desafio dos Democratas será substancial: precisarão reconstruir pontes com segmentos do eleitorado que tradicionalmente formavam seu núcleo duro, enquanto desenvolvem respostas convincentes para questões que ultrapassam divisões partidárias tradicionais.
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