O Brasil e a crise de legitimidade para mediar a paz no leste europeu
Na última semana, às margens da Assembleia Geral das Nações Unidas (AGNU), o Brasil organizou, ao lado da China, uma reunião com diversos países para discutir uma proposta de mediação da crise no Leste Europeu. Intitulada "Amigos da Paz", a iniciativa foi idealizada para promover o debate sobre uma solução diplomática ao conflito entre a Rússia e a Ucrânia, tentando posicionar o Brasil como ator relevante na arena internacional.
No entanto, a proposta gerou controvérsias desde o seu anúncio. O presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, reagiu com clara insatisfação. Para Kiev, a proposta sino-brasileira é vista como desequilibrada e tendenciosa, favorecendo os interesses russos e ignorando as legítimas preocupações ucranianas. O principal ponto de crítica foi a falta de diálogo com a Ucrânia antes do anúncio do plano, o que gerou um clima de desconfiança em relação à proposta.
Há uma acusação recorrente por parte dos ucranianos e seus aliados de que o Brasil estaria atuando como uma espécie de "linha auxiliar" de grandes potências, notadamente a China e, claro, a Rússia. Celso Amorim, assessor especial da presidência brasileira para assuntos internacionais, teria visitado Moscou recentemente, gerando especulações sobre um alinhamento estratégico entre Brasil e Rússia para lidar justamente sobre o tema. Essa percepção é reforçada pela ausência de qualquer contato significativo com Kiev durante a formulação do plano, o que alimenta a narrativa de que a iniciativa brasileira serve mais aos interesses russos do que aos da paz em si.
Além da crise de confiança, o "timing" da proposta também foi amplamente criticado. A Ucrânia está focada, neste momento, em avançar militarmente sobre territórios russos, com o objetivo de reforçar sua posição no campo de batalha. Para Kiev, essa é uma forma de mandar uma mensagem clara ao mundo: a Ucrânia não está perdendo a guerra. Além disso, o avanço militar serve para demonstrar aos aliados europeus que o país ainda tem capacidade de resistir e que o apoio contínuo em termos de recursos financeiros e militares vale a pena. Ao mesmo tempo, melhorar a posição territorial pode fortalecer o poder de barganha da Ucrânia em futuras negociações de paz.
Nesse contexto, a proposta brasileira de mediação chega em um momento em que o governo ucraniano parece mais interessado em consolidar ganhos militares e políticos do que qualquer outra coisa. Ademais, para a Ucrânia, qualquer plano que não inclua a retirada completa das tropas russas de seus territórios é visto como uma forma velada de rendição, o que torna o terreno da diplomacia ainda mais instável. Por fim, sabemos que, no cenário global, as narrativas e percepções são tão importantes quanto os fatos em si. A capacidade de um mediador depende não apenas de sua boa vontade, mas de sua legitimidade de dialogar com todas as partes envolvidas e de ser visto como genuinamente apto a exercer esse papel. No caso da crise no Leste Europeu, parece que ainda estamos distantes de um cenário promissor.
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