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Dez razões para nomear uma mulher como a próxima chanceler do Brasil
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Temos acompanhado, ao longo dos últimos dias, uma grande especulação em torno de nomes que podem, eventualmente, integrar o novo governo do Brasil a partir de 2023, quando Luiz Inácio Lula da Silva (PT) assumirá o seu terceiro mandato como presidente.
Sabemos que a administração terá de eleger prioridades e é fundamental reconhecer, por óbvio, a importância de selecionar bons quadros para lidar com os enormes desafios que virão pela frente. Se o Brasil deseja melhorar sua reputação no mundo e mobilizar seu capital internacional para favorecer o avanço de seus interesses, portanto, será preciso mais do que apenas um bom plano, mas também consistência de princípios e constância na defesa de certos valores.
Lula quer reposicionar o Brasil como um país socialmente justo e ambientalmente responsável. Fala em resgatar nossa credibilidade e altivez. De comércio e investimento à promoção cultural, tem tratado política externa, com razão, como um pivô estratégico para construir a imagem pela qual desejamos ser reconhecidos.
Se o objetivo é fazer da arena global um desfiladeiro para as novas credenciais do país, o primeiro passo poderia vir a partir de um gesto poderoso: nomeando uma mulher como chanceler. Pelo menos dez razões justificariam, objetivamente, essa decisão:
1) porque seria inédito no Brasil. Vale mencionar que, na América Latina, apenas Brasil e Uruguai nunca tiveram uma Ministra de Relações Exteriores que fosse mulher. Como parâmetro é importante citar que a Colômbia já teve sete, enquanto países como Peru, Suriname e Equador já tiveram quatro cada um.
2) porque, sem protagonismo, as mulheres têm limitações concretas para contribuir com a política externa brasileira, sobretudo se não alcançam posições de comando para influir em sua formulação. Estudo dos pesquisadores Rogério Farias e Géssica Carmo aponta que, de 1958 a 2015, dois terços das mulheres (66,16%) se aposentaram nos níveis intermediários da carreira diplomática, enquanto dois terços dos homens (62,45%) o fizeram nos níveis mais altos. Jamais houve qualquer política que buscasse reverter esse quadro de estagnação do fluxo de carreira das mulheres diplomatas.
3) porque seria uma forma de reconhecer o pleito das mulheres diplomatas que estão se articulando no Itamaraty há quase dez anos por igualdade de oportunidades na carreira. Trata-se de uma mobilização legítima e que faz parte de um fenômeno internacional identificado em todo o mundo. O "teto" é real para as diplomatas brasileiras e isso as desestimula nesta jornada. Ainda que a escolhida não seja diplomata do Itamaraty propriamente, a nomeação uma mulher tenderia a elevar o nível de atenção aos fluxos de carreira do órgão e aos temas relacionados.
4) porque a falta de compromisso com igualdade de gênero no Ministério de Relações Exteriores (MRE) expõe uma gritante contradição com os compromissos assumidos pelo Brasil no exterior em matéria de direitos das mulheres.
5) porque a diplomacia é a representação do país no exterior e essa representação é, atualmente, quase que exclusivamente masculina, o que contrasta com a realidade demográfica do país. Dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que, em 2021, 51,1% da população brasileira era do sexo feminino. A participação feminina na população é superior à masculina desde o início da série histórica, em 2012.
6) porque o Brasil está na 133ª posição no ranking global de percentual de mulheres embaixadoras em capitais no exterior em 2021. De acordo com o ranking "Gender in Bilateral Diplomacy", elaborado pela Universidade de Gutemburgo, isso significa que apenas cerca de 13% de diplomatas mulheres ocupam posições de comando em nosso serviço diplomático.
7) porque desde 2014 o Brasil se descolou da tendência mundial de aumentar o número de mulheres embaixadoras em postos no exterior e sofreu uma forte reversão nessa tendência desde então, como também demonstra estudo o mais importante centro de pesquisa sobre diplomacia e gênero da Universidade de Gutemburg.
8) porque outras chancelarias mundo afora vêm adotando ações que visam inclusão de gênero e não podemos e nem devemos ficar para trás. Políticas formais de inclusão já são uma realidade em países como Estados Unidos, Alemanha, França, Bélgica, África do Sul, Chile e Austrália, por exemplo.
9) porque é preciso estimular que nossas mulheres almejem representar o país perante a comunidade internacional. Mulheres na liderança podem, inclusive, elevar o interesse e o acesso ao concurso para a diplomacia no Brasil. Se uma projeção for feita com base nos dados do anuário do Instituto Rio Branco sobre o percentual de ingresso de mulheres admitidas para a carreira diplomática desde a década de 1950, quando passaram a ser aceitas na academia diplomática, conclui-se que a paridade no recrutamento seja alcançada apenas em 2110. Isso não é razoável.
10) porque é importante, para a nova administração, se contrapor com o governo anterior no campo prático e também simbólico. Seria uma resposta contundente à política misógina e hostil que foi praticada contra as mulheres ao longo dos últimos anos no Brasil.
Já passou da hora de fazermos o que é justo. Parafraseando Angela Davis: não aceitar as coisas que não podemos mudar, e mudar as coisas que não podemos aceitar.
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