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OMS aprova investigação e crise entre EUA e China se aprofunda

Tedros Adhanom Ghebreyesus, diretor-geral da OMS, durante entrevista coletiva em Genebra - Denis Balibouse
Tedros Adhanom Ghebreyesus, diretor-geral da OMS, durante entrevista coletiva em Genebra Imagem: Denis Balibouse

Colunista do UOL

19/05/2020 08h51

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Os 194 países da OMS aprovaram nesta terça-feira uma resolução que pede que a entidade passe por uma investigação "imparcial e independente" de sua resposta dada à pandemia. Mas o texto não cita quando tal processo deveria começar e, divididos, governos promovem ataques mútuos.

O documento é aprovado no momento em que o maior financiador da OMS, o governo dos EUA, ameaça deixar a agência em protesto. A reação de Donald Trump causou indignação entre governos e abriu um período de incerteza sobre o destino da entidade.

Já o governo da China acusou Trump de tentar desviar atenção pelos mais de 90 mil mortes nos EUA e afirmou que os comentários do americano contra a agência faz parte de uma campanha de difamação contra Pequim.

Tedros Ghebreyesus, diretor-geral da OMS, usou seu discurso de abertura na assembleia para anunciar que vai iniciar uma revisão dos trabalhos da agência. Mas não indicou quando. "Estamos dispostos a ser transparentes", disse. "Assim que possível, vamos começar uma avaliação independente e fazer recomendações para melhorar respostas nacionais e internacionais", anunciou Tedros, na esperança de frear críticas.

Mas ele alertou que também vai pedir que governos façam seus exames internos e que, em boa-fé, aprendam a lição do que o mundo atravessa hoje. "Todos temos de aprender lições, disse. "Cada governo precisa examinar suas respostas", disse.

Sua proposta é de que, ao lado da OMS, governos também sejam examinados de forma regular e pede que países façam o necessário para superar crise para que ela jamais volte a ocorrer.

O discurso de Tedros não foi suficiente para atender os pedidos dos EUA. Donald Trump enviou uma carta ao diretor, dando-lhe 30 dias para iniciar uma reforma, sob a ameaça de retirar os americanos da agência. Ele também indicou que congelaria os repasses de dinheiro.

Ao encerrar os trabalhos da assembleia, Tedros voltou a falar da reforma. Mas sequer se referiu à ameaça de Trump e insistiu que vai iniciar a investigação "quando for apropriado". Segundo ele, o foco neste momento é "lutar contra a pandemia e salvar vidas".

Numa recado aos governos, ele indicou que espera que países também passem por avaliações. E ainda concluiu apontando que, para superar "dias negros", o recurso é a ciência.

No meio diplomático, o alerta de Trump já faz parte de um esforço das potências para redesenhar da nova ordem internacional. Washington não quer ver a influência da China ganhar força nos organismos multilaterais e, com a ameaça, tenta impedir que Pequim possa agir.

Xi Jinping, presidente da China, usou evento da OMS para fazer um discurso radicalmente diferente: elogiar Tedros, falar da importância da colaboração internacional e anunciar US$ 2 bilhões para a luta contra a pandemia no mundo.

Ele ainda se defendeu das críticas internacionais de que teria abafado os casos e indicou que reconhece a necessidade de uma investigação. Mas alertou que tal trabalho deve ser realizado num segundo momento. Seu governo, acusado de ter abafado os primeiros casos, vinha evitando permitir a entrada de uma equipe internacional para investigar a origem do vírus.

Na OMS, porém, as autoridades apontam que o alerta foi feito ao mundo no final de janeiro e que, por semanas, muitos governos ignoraram as recomendações. O secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, indicou que a recusa de alguns governos em ouvir a OMS está causando ao mundo fortes prejuízos.

Ambiguidade

Com a aprovação da resolução, ninguém sabe dizer exatamente quais serão os próximos passos diante do desentendimento entre os governos.

A resolução pede que seja iniciado um processo de avaliação dos mecanismos existentes na OMS para dar respostas às emergências globais. A resolução ainda pede que o processo avalie também o regulamento sanitário internacional, acordo fechado em 2009 e que cria obrigações a países para que informem a OMS sobre eventuais surtos.

Também será colocado em questão "a contribuição da OMS nos esforços da ONU", uma maneira diplomática de forçar uma revisão das práticas da entidade.

O texto havia sido proposto pelo Brasil, Austrália, Chile, Colômbia, Japão, UE, Rússia, Reino Unido e vários outros governos.

Emmanuel Macron, presidente da França, defendeu uma "OMS forte". A chanceler alemã, Angela Merkel, também saiu em defesa da OMS, chamada pela chefe-de-governo como uma "entidade legítima". Para ela, o mundo precisa primeiro combater a pandemia, antes de pensar em outras medidas.