Medidas do governo contra aborto legal levam deputadas a recorrer à ONU
Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail
Resumo da notícia
- Parlamentares solicitam missão da ONU depois que governo emitiu novas exigências para que vítimas de estupro possam realizar aborto legal
Deputados do PSOL, PT, PSB e PCdoB apresentam uma queixa à cúpula da ONU, fazendo um "apelo urgente" diante dos "ataques e retrocessos para aborto legal" promovidos pelo governo de Jair Bolsonaro. A denúncia foi apresentada diante das novas orientações estabelecidas pelo Ministério da Saúde, consideradas como obstáculos para que meninas abusadas sexualmente possam ter acesso à Justiça e a um aborto legal.
A carta foi enviada a Michelle Bachelet, alta comissária da ONU para Direitos Humanos, Dubravka Simonovic, relatora da ONU sobre violência contra mulher, Tlaleng Mofokeng, relatora da ONU para o direito à saúde, e para o Grupo de Trabalho da ONU sobre a discriminação contra a mulher. Assinam a carta deputadas como Sâmia Bomfim, Fernanda Melchionna, Luiza Erundina e Talíria Petrone, além de Alice Portugal, Jandira Feghali, Erika Kokay, Maria do Rosário e Lídice da Mata, entre outros.
"Desde 1940, a legislação brasileira permite a interrupção da gravidez em caso de estupro", apontam as parlamentares. "No entanto, nas últimas semanas, um caso trágico levou este direito básico a um ataque sem precedentes no Brasil: uma menina de 10 anos de idade, que havia sido estuprada por quatro anos por seu tio, teve seu direito ao aborto legal em um hospital público desafiado", indicaram, numa referência ao caso da garota do Espírito Santo.
"Mesmo após uma ordem judicial, ela só pôde conduzir o procedimento a quase 2 mil quilômetros de sua cidade natal, sob ameaças e ataques violentos", explicaram.
"Depois de nada fazer a respeito, o Ministério da Saúde do Brasil publicou a Portaria 2.282/2020, que torna praticamente impossível para as mulheres e meninas vítimas de estupro o exercício de seu direito legal de interromper a gravidez", denunciam os partidos, numa referência à iniciativa de sexta-feira.
As deputadas apontam que, de acordo com dados oficiais de 2019, 4 meninas menores de 13 anos são estupradas a cada hora no Brasil. "Em 2018, as meninas menores de 13 anos representavam 53,8% dos 66 mil casos de estupro oficialmente registrados no país", afirmam. Em 2019, o número de estupros cresceu 4,1%, atingindo uma média de 180 casos por dia.
"Registros do Ministério da Saúde brasileiro também mostram que, em média, todos os dias, 6 meninas entre 10 e 14 anos de idade são admitidas pelo sistema de saúde pública para abortos por causa de estupro. Enquanto isso, a cada ano, cerca de 26 mil meninas entre essas idades dão à luz no Brasil", completam a explicação.
O temor das deputadas é que tal cenário poderia se agravar, diante da Portaria 2.282/2020, que estabelece como obrigatório que os médicos notifiquem a polícia sempre que as vítimas de estupro decidam interromper a gravidez, e que as vítimas devem descrever as circustâncias de estupro e seus agressores aos profissionais de saúde.
"Além de ignorar os procedimentos especiais que protegem a audição de crianças e adolescentes, estas determinações trazem uma perspectiva policial adequada aos hospitais e forçam as vítimas a reexperiência forçada de eventos traumáticos para pessoal indevidamente qualificado em um momento muito sensível", denunciam.
"Como se não fosse suficiente, a Portaria também promove violência psicológica profunda, estabelecendo que a equipe médica deve encorajar a vítima de estupro a visualizar o feto ou embrião via ultra-som", relatam.
"Em vez de criar um ambiente seguro e acolhedor para o aborto legal, a Portaria do Ministério da Saúde brasileiro dificulta o acesso de mulheres e meninas a este direito estabelecido. Ela apenas aumentará os casos não relatados e levará a procedimentos de aborto mais inseguros", alertam as parlamentares. "Suas determinações colocam em risco a vida de milhares de mulheres e meninas, particularmente as negras e pobres", insistem.
Missão ao Brasil
Diante da situação relatada, e considerando os "numerosos ataques de Jair Bolsonaro contra os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres", os partidos pedem à ONU para considerar a carta como uma "Apelo Urgente, tendo em vista a gravidade e a urgência do assunto". Tal categoria permitiria uma resposta mais rápida da ONU diante do caso.
A parlamentares querem que a entidade organize uma visita de emergência ao Brasil do Grupo de Trabalho da ONU sobre discriminação contra mulheres e meninas e dos Relatores Especiais da ONU sobre violência contra mulheres. O objetivo seria o de "avaliar a situação no terreno; e sobre o direito de todos ao gozo do mais alto padrão atingível de saúde física e mental". ?
O grupo ainda solicita que a ONU faça uma declaração pública e que solicita ao Itamaraty que se explique diante das "violações aqui descritas".
Na semana passada, diante do caso da garota no Espírito Santo, a ONU emitiu um comunicado em que defendia a privacidade da menina de 10 anos de idade alvo de violência sexual. A entidade também destacou que ela tem o direito a "proteção integral".
A extremista de ultradireita Sara Giromini expôs os detalhes do caso nas redes sociais. Ela, que já chegou a trabalhar no Ministério de Direitos Humanos liderado por Damares Alves, revelou o endereço da unidade de saúde, o primeiro nome da garota e atacou os profissionais do hospital que fariam o procedimento. Seu ato levou religiosos ao local para tentar impedir que a ordem judicial fosse cumprida.
A lei brasileira permite que um aborto seja realizado por meio do serviço público no caso de uma gravidez ser resultado de uma violência sexual.
Antes da divulgação da extremista, a pasta de Direitos Humanos indicou em suas plataformas que enviou emissários para a cidade do Espírito Santo, São Mateus, de onde é a criança. A menina, porém, não conseguiu realizar o aborto no local e teve de ser transferida para outro estado. De acordo com reportagens publicadas nos últimos dias, houve forte pressão sobre os médicos do local para que não cumprissem a ordem judicial de realizar o aborto.
Mesmo assim, a divulgação do caso levou movimentos pró-vida a pressionarem o hospital em Recife para que não fosse adiante com o procedimento e obrigou a garota a ser enviada ao local num porta-malas de um carro.
O governo garante que não saiu da pasta as informações aos grupos religiosos que assediavam médicos com gritos de "assassino" e "demônio". Mas o silêncio das autoridades de Direitos Humanos do governo sobre a ação dos religiosos deixou ativistas alarmados. A polícia teve de intervir para impedir que o hospital no Recife fosse invadido, depois de uma manifestação.
ONU pede apuração sobre violência sexual
De acordo com o Sistema das Nações Unidas no Brasil, o Estado tem um compromisso assumido em documentos nacionais e tratados internacionais pela proteção da privacidade de menores.
Num comunicado, a entidade "reafirma o direito à proteção integral de cada criança, consagrado na Constituição Federal Brasileira, no Estatuto da Criança e do Adolescente, e nos documentos internacionais dos quais o Brasil é parte, como a Convenção sobre os Direitos da Criança e na Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, entre outros".
"Nesse sentido, relembra a importância da proteção integral desta jovem vítima, da preservação de sua integridade física, mental e moral, bem como de sua privacidade", alertou.
A ONU ainda "manifesta sua solidariedade à menina de 10 anos sistematicamente violentada sexualmente - supostamente por um familiar - e apoia as iniciativas das autoridades nacionais para apurar e processar, de acordo com o devido processo legal, este crime".
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.