Com críticas a Trump, Brasil e progressistas garantem comando da OEA
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O Brasil, aliado a governos progressistas da região, barrou a ofensiva dos EUA sobre a OEA (Organização dos Estados Americanos) e transformou a eleição de um novo comando para a instituição numa oportunidade de marcar uma posição diante da política externa da Casa Branca baseada na força.
Nesta segunda-feira, foi eleito para o cargo de secretário-geral da OEA o Albert Ramdin, chanceler do Suriname e com o apoio de governos progressistas do hemisfério.
O chanceler do Paraguai, Rubén Ramírez Lezcano, que foi recebido por Donald Trump e Elon Musk e tinha o apoio da Argentina, foi obrigado a desistir. Durante a Assembleia, o candidato do Suriname acabou sendo aclamado por consenso na falta de um concorrente.
Em seu primeiro discurso, o novo secretário-geral adotou um tom de moderação. Mas insistiu que o "multilateralismo é o instrumento mais importante" e alertou que "nenhum país pode solucionar os desafios sozinho".
Ele também destacou a necessidade de um compromisso pela democracia e pelo estado de direito e sugeriu que um dos trabalhos da região deva ser o de educar as novas gerações sobre os valores da democracia. Para completar, insistiu que vai trazer o tema do clima para a agenda regional, algo que pode se chocar com os objetivos americanos.
Brasil faz críticas a Trump
A reunião, em Washington, foi marcada por críticas contra a política externa dos EUA. Governos como o da Bolívia, México, Panamá e do Caribe alertaram para os ataques à soberania.
Num discurso repleto de recados à ofensiva americana contra os direitos humanos e multilateralismo, o governo brasileiro criticou a instrumentalização da instituição e a "lei do mais forte". Evitando citar o nome de Trump, Maria Laura da Rocha, secretária-geral do Itamaraty, defendeu o direito internacional contra "o caos".
Ela ainda lembrou como, no passado, a OEA defendeu a democracia. Mas se recusava a discutir torturas e ditaduras militares.
"Durante o auge da Guerra Fria, esta Organização, como tantas outras instituições multilaterais, tornou-se refém do conflito Leste-Oeste", disse. "Foi o momento das doutrinas de segurança nacional baseadas no combate ao inimigo interno: suspendia-se Cuba do convívio interamericano, mas paradoxalmente, em nome da democracia, não se discutia a tortura, os desaparecimentos forçados, a censura e o arbítrio de ditaduras militares que prometiam salvação contra a suposta ameaça comunista", alertou.
O Brasil também criticou a administração recente da OEA, pressionada pelo governo Trump. "A lógica da exclusão, da estigmatização e do isolamento dos que pensam diferente voltou a dar as cartas em certas instâncias, embalada por um maniqueísmo reminiscente da Guerra Fria, porém com novas roupagens", disse a embaixadora. "No lugar do diálogo, da diplomacia e da negociação, a Organização optou em certos casos pela sanção", criticou.
"Em vez de se resguardar a independência e os canais de comunicação com todos os lados em situações de tensões internas, não raras vezes tomou-se partido em disputas internas, gerando efeito contrário ao pretendido. A defesa da democracia, tema importante, não raro foi objeto de seletividade política", afirmou a diplomata.
"Com isso, a OEA perdeu legitimidade e relevância em determinados temas, vendo minguar sua capacidade de aportar soluções, notadamente para crises como as da Venezuela e da Nicarágua, países que se afastaram da Organização em anos recentes", lamentou.
Brasil sugere antídoto às políticas de Trump de "caos e anarquia"
O discurso também foi usado para posicionar o Brasil diante da ofensiva da Casa Branca.
"Minha delegação gostaria de recomendar um esforço para preservar a institucionalidade multilateral, que requer a busca de compromissos e de consensos", disse a embaixadora, que pediu uma região estável, democrática, justa e próspera.
"Temos de reconstruir essa confiança desde já, evitando que ambiente deletério de polarização impeça que busquemos os interesses compartilhados de longo prazo: uma organização moderna, eficiente, transparente, inclusiva, que nos ajude efetivamente a promover os valores e princípios consagrados na sua Carta", disse.
"Confiança e legitimidade que emergem da força do direito internacional e do multilateralismo como antídotos contra o caos e a anarquia que se instalam quando prevalece o unilateralismo da lei do mais forte", alertou.
Em mais uma crítica ao governo Trump, o Brasil reforçou a ideia do respeito à soberania. "Não é a "Realpolitik" que vai nos ajudar a enfrentar desafios comuns, mas o respeito à igualdade soberana dos Estados e a busca cooperativa de soluções que sirvam a todos, como é da essência do multilateralismo", disse.
Itamaraty contra a "imposição unilateral de vontades"
Apesar dos desafios apontados, o Brasil comemorou a eleição do novo secretário-geral. "Temos a oportunidade de deixar entrar nos salões desta Organização uma lufada de ar fresco para recuperar a relevância, a confiança e, não menos importante, a legitimidade de processos decisórios no secretariado e nos órgãos políticos", disse a embaixadora.
"A confiança e a legitimidade não serão conquistadas apenas com palavras. Exigem ações concretas e engajamento de todos, com a consciência de que o multilateralismo requer não a imposição unilateral de vontades de quem quer que seja, mas a construção, muitas vezes laboriosa, de compromissos em que cada um de nós precisa ceder algo para que todos possamos ganhar", completou.
EUA rebatem, pedem ação contra ditaduras, contra China e fechamento de fronteiras
A resposta do governo americano veio instantes depois. A delegação de Trump foi no sentido contrário ao discurso do Brasil e insistiu em elogiar a ação da OEA contra Venezuela, Cuba e outros regimes.
Para a a Casa Branca, o novo comando da agência precisa seguir o mesmo caminho. Além de lutar contra regimes repressivos, os americanos querem que a OEA atue contra a fraude em eleições e na defesa da liberdade de expressão.
O governo Trump ainda cobrou do novo secretário-geral ações contra a imigração irregular, contra as drogas e o "fortalecimento das fronteiras".
Mas foi uma referência aos "adversários malignos" de fora do continente que chamou a atenção. Para a delegação americana, a influência desses atores na região "precisa acabar". A referência foi interpretada como uma mensagem contra a presença chinesa na América Latina.
Operação diplomática
A operação para impedir a manobra da extrema direita foi iniciada tanto de dentro da própria instituição, temerosa de uma guinada e sua instrumentalização, como por governos que avaliavam o impacto que poderia ter uma entidade comandada por uma marionete da Casa Branca.
O caminho exigia conseguir que diplomacia brasileira encampasse uma articulação, o que acabou ocorrendo.
Na semana passada, o Brasil costurou uma aliança com Chile, Colômbia, Uruguai e Bolívia, e anunciou o apoio ao candidato do Suriname. A ofensiva brasileira abriu caminho para que o diplomata recebesse também o apoio de México, Canadá, Equador e outros países. Junto com os votos do Caribe, que ele já havia obtido, sua chapa ficou praticamente imbatível.
Como resultado, o candidato que havia cortejado a Casa Branca, o chanceler do Paraguai se retirou da corrida. Ele também tinha o apoio da Argentina, assim como de El Salvador. A constatação era de que, mesmo com um eventual apoio de Washington e do governo de Javier Milei, ele não teria votos suficientes para ser eleito.
A OEA era considerada como estratégica no plano da Casa Branca para reconquistar espaço na região. A esperança do governo Trump era de ter um aliado que pudesse chanceler sua ofensiva contra regimes de esquerda na América Latina, além de impor uma agenda ultraconservadora.
No final de 2024, Trump recebeu em sua residência em Mar a Lago (Flórida) o chanceler do Paraguai. Oficialmente, o encontro ocorreu para que ambos pudessem dialogar sobre a situação política na América Latina e contextos específicos como Cuba, Nicarágua e Venezuela. Mas a viagem teve outro objetivo: tentar fortalecer a campanha do paraguaio para ser o sucessor de Luis Almagro no comando da OEA.
Ramírez Lezcano ainda esteve com o bilionário Elon Musk, personagem que vem ganhando espaço até mesmo na composição da política externa de Trump. Para atrair o voto dos EUA, o Paraguai se aproximou ao voto americano em outros temas na ONU, além de adotar um discurso similar ao posicionamento da Casa Branca. Isso inclui críticas à ofensiva da China na região, à proteção dos interesses de Taiwan, alertas sobre o Irã e até mesmo sobre a imigração irregular.
O posicionamento do paraguaio agradava Marco Rubio, chefe da diplomacia de Trump, neto de cubanos exilados e que, ao longo dos anos, vem adotando um tom duro contra as ditaduras latino-americanas.
Mas a articulação do Brasil deixou a oposição irritada. Ao anunciar o fim da candidatura de seu chanceler, o presidente do Paraguai, Santiago Peña, lançou uma crítica velada ao Brasil.
"A candidatura foi muito bem recebida e apoiada por muitos estados membros da organização. No entanto, nos últimos dias e de forma abrupta e inexplicável, o Paraguai foi informado por países amigos da região, com os quais compartilhamos um espaço e uma história comuns, que eles modificaram seu compromisso inicial com nosso país e decidiram não apoiar a proposta do Paraguai", disse o presidente.
"O Paraguai, ao longo de sua rica história, tem sido um país que sempre baseou suas posições em princípios e valores tão elevados, e não renunciará a eles por causa de uma eleição ou situação particular", afirmou.
Nada indica, porém, que a pressão americana sobre a OEA vai perder força. 60% do orçamento da entidade vem da contribuição americana, e assessores de Trump explicaram ao UOL que querem garantir que esses recursos cumpram a missão de fortalecer sua posição na região.
Um sinal disso ocorreu ainda em 2024, quando deputados republicanos enviaram uma carta à Comissão Interamericana de Direitos Humanos —um órgão autônomo, mas ligado à OEA— com ameaças de que haveria um corte de recursos dos EUA caso a Comissão não atuasse contra o Brasil e as decisões do STF contra Elon Musk.
80 comentários
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Wander Panfili
A cacatua do topete amarelo, excelente animadora de auditórios com seu gralhar infinito e irritante está começando a entender que a política externa de outras nações não está ai para atender seus desejos pueris, ou aprende a dialogar ou corre o risco de não chegar ao final de seu mandato, pois nitidamente suas decisões estapafúrdias estão prejudicando seus próprios eleitores.
Soraia Catsue Lins
Está na hora do Brasil repensar as parceicoma Argentina e Paraguai que nada nos agregam.
Wilson Aroma
Oque foi a OEA até hoje? Exatamente igual ao que é hoje: nada!