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Jamil Chade

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REPORTAGEM

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Itamaraty desfaz decisões de Bolsonaro e diz não tomar posição na Ucrânia

Colunista do UOL

16/02/2023 04h00

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Apesar de assinar um comunicado conjunto com o presidente dos EUA, Joe Biden, citando "a violação da integridade territorial da Ucrânia pela Rússia e a anexação de partes de seu território como violações flagrantes do direito internacional", o governo Lula não está tomando partido na guerra. Quem afirma isso é o chanceler Mauro Vieira.

Em entrevista exclusiva ao UOL, o chefe da diplomacia brasileira revela que irá desfazer decisões tomadas pelo ex-presidente Jair Bolsonaro para reposicionar o Brasil na geopolítica mundial e diz reconhecer que houve uma agressão a um território. Segundo ele, essa mensagem será colocada ao ministro de Relações Exteriores da Rússia, Sergey Lavrov, em sua visita ao Brasil em abril.

Mas o Itamaraty deixará claro aos russos que quer negociar e encontrar um caminho para iniciar um processo de cessar-fogo.

Nós não estamos tomando partido de forma alguma. Queremos oferecer os nossos bons ofícios, se as partes quiserem, para tentar encontrar uma forma de negociar um cessar-fogo ou algo
Mauro Vieira

O chanceler participa a partir de sexta-feira da Conferência de Segurança de Munique, um dos principais fóruns internacionais para o debate sobre a geopolítica. Durante o encontro, ele realizará diversas reuniões bilaterais, inclusive com o chefe da diplomacia da União Europeia, Josep Borell. A posição do Brasil sobre a guerra na Ucrânia será um dos principais temas.

Durante a entrevista, o chanceler ainda sinalizou que:

  • A ideologia na diplomacia de Jair Bolsonaro prejudicou brasileiros fora do país;
  • A política externa de Lula defenderá a democracia com "todos os países", inclusive na pauta com Venezuela e Cuba;
  • O Brasil vai deixar o fórum de extrema direita que tem a participação de Hungria e Polônia
  • Se houver um acordo de expansão do bloco dos Brics, o Brasil defenderá a adesão da Argentina;

Eis os principais trechos da entrevista feita por telefone:

Jamil Chade - Ao aceitar que houve uma agressão ao território ucraniano pelos russos, o Brasil está tomando partido na guerra?

Mauro Vieira - Não. A declaração de que houve a agressão e a invasão é uma questão de estar de acordo com o direito internacional que, aliás, é uma orientação da Constituição Brasileira. Então, nós não estamos tomando partido de forma alguma. Queremos oferecer os nossos bons ofícios, se as partes quiserem, para tentar encontrar uma forma de negociar um cessar-fogo ou algo. Queremos, com outros países, trabalhar para que haja condições de se fazer algum tipo de movimento que leve a um início de negociação para acabar o sofrimento e a destruição.

Agora, nós tomamos uma posição no Conselho de Segurança da ONU e na Assembleia Geral, condenando a agressão e invasão. Houve um fato concreto. Não houve dúvida de que houve uma invasão.

Qual a mensagem que o Brasil dará para Sergey Lavrov, chanceler russo, quando ele visitar o país em abril?

O recado vai ser este. De ouvir e ver o que eles têm a dizer e dizer, sobretudo, que o Brasil condenou por não poder deixar de condenar uma invasão. A integridade territorial de um país foi violada. Da mesma forma que a nossa integridade territorial seja sempre resguardada, temos também que ter a mesma posição com outros países.

Mas também vamos dizer que estamos prontos para conversar e colocar à disposição os bons ofícios do Brasil, com outro grupo de países. Nenhum país pode isoladamente conseguir essa façanha. Vamos precisar de um grupo de países que possa promover um diálogo de boa vontade para que se chegue a algum tipo de entendimento.

Serguei Lavrov virá ao Brasil em abril - Phill Magakoe / AFP - Phill Magakoe / AFP
Serguei Lavrov virá ao Brasil em abril
Imagem: Phill Magakoe / AFP

O senhor tratará do tema nesta semana durante a Conferência de Segurança em Munique?

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva já falou em Washington e Buenos Aires sobre isso. E todos sabem que o Brasil —por ser tradicionalmente um país pacífico, um país que vive junto a dez outros vizinhos, que negociou todas suas fronteiras— está sempre à disposição para ajudar a encontrar soluções.

No próximo mês, o presidente Lula viaja para a China. O que se espera dessa missão? Novos acordos serão anunciados?

Uma vista grande, como será, sempre há oportunidades e vamos examinar. Já estamos trabalhando internamente no Itamaraty e muitas coisas podem surgir. Uma parte importante vai ser o lado politico da visita e o sinal político que será dado.

Isso quer dizer que a China ganha status novo?

A China é um parceiro indispensável do Brasil. É um maior parceiro comercial e um grande parceiro em cooperação científica.

O Brasil aceita a ideia da expansão do grupo dos Brics?

O bloco já se expandiu. Já houve o acréscimo da África do Sul. Como é um clube de cinco países, acho que após consultas internas e um consenso, o Brasil não tem nenhum obstáculo nisso.

O Brasil colocaria um candidato, como Argentina? Haveria interesse em uma expansão na América do Sul?

Se houver consenso para uma expansão dentro do bloco, a Argentina é um candidato natural e seria um candidato natural do Brasil.

Lula e o presidente da Argentina Alberto Fernández - Reprodução  - Reprodução
Lula e o presidente da Argentina Alberto Fernández
Imagem: Reprodução

O Brasil abriu mão do status de país em desenvolvimento na OMC (Organização Mundial de Comércio) durante o governo de Jair Bolsonaro e depois de um entendimento com os EUA. O atual governo vai manter a decisão passada ou retoma a posição de país em desenvolvimento?

Todas as decisões que envolverem o interesse nacional de forma positiva serão tomadas. Se for do interesse nacional, sim. Aliás, o Brasil é um país em desenvolvimento. É e nunca deixou de ser. É membro dos Brics, que é um bloco de países em desenvolvimento. É membro do grupo de países que luta pela reforma do Conselho de Segurança, é observador do Grupo dos Países Não Alinhados. É membro do Mercosul, que é um bloco de países em desenvolvimento. Portanto, que o Brasil é um país em desenvolvimento não há dúvida. Se for necessário, sim.

Sim, retomará o status de país em desenvolvimento?

Sim. O interesse nacional é que vai ditar. Nada de alinhamentos automáticos ou decisões pré-concebidas.

Mas temos de fazer outras coisas mais importantes na OMC, que é solucionar a paralisia do mecanismo de solução de controvérsia. Nem cabe discutir nada antes. A OMC está numa paralisia total e está em uma situação em que um de seus braços mais importantes está paralisado.

Justamente pelo Brasil fazer parte de diferentes grupos de países em desenvolvimento, afeta a credibilidade do país como um emergente a adesão do país à OCDE [clube dos países mais ricos]?

Não fazemos parte ainda. Fomos convidados a negociar o acesso. E isso é um processo longo. Pelo que eu vi em declarações na imprensa por parte do secretário-geral da OCDE, isso pode levar quatro ou cinco anos, com a adaptação da legislação. Isso tem de ser visto e examinado. Os demais [convidados] também são países em desenvolvimento.

O Brasil, então, não tem pressa?

Não é uma questão de ter pressa. Tendo ou não tendo [pressa], você precisa adaptar sua legislação. Então, demora. Depois, precisam ser avaliadas as questões políticas. Temos de ver qual vai ser o balanço político no Congresso para aprovar tantas legislações.

Mas interessa fazer parte da OCDE?

Tudo o que for do interesse nacional, sim. Se tivermos vantagens dessa adesão, sim.

O Brasil saiu do Consenso de Genebra. Mas não saiu da iniciativa Parceria para a Família, com Hungria e Polônia. Por qual motivo?

Você pode anunciar que vamos sair. Amanhã ou depois de amanhã. Foi apenas uma questão de tempo.

Por qual motivo saímos?

Da mesma forma que aconteceu no Consenso de Genebra, não interessava ao Brasil continuar.

E por qual motivo não interessava?

São políticas extremamente conservadoras, Algumas delas vão contra a legislação brasileira e não tem nenhum interesse em participar desse grupo. Não nos leva a nada. Pelo contrário.

O Conselho de Direitos Humanos da ONU começa em poucas semanas. Haverá uma mudança no padrão de participação do Brasil?

O que eu posso te dizer é que os alinhamentos automáticos e ideológico que existiam no passado não existirão mais. Vamos examinar cada caso individualmente. Nossa posição será estudada.

A ideologia pautou a diplomacia de Jair Bolsonaro. O senhor considera que ela prejudicou o interesse nacional?

Acho que prejudicou o interesse nacional e os cidadãos brasileiros. Fechar a embaixada em Caracas e quatro consulados prejudicou 25 mil brasileiros que vivem na Venezuela. A decisão foi tomada com base apenas política e ideológica. E essas pessoas ficaram abandonadas na Venezuela. Quando precisavam de qualquer tipo de documento, tinham de viajar até a Colômbia. A proteção dos brasileiros é um dever constitucional e temos de ter isso num país vizinho, com uma fronteira tão grande, numa região tão frágil.

Já reabrirmos a embaixada e estamos tomando as últimas medidas para reabrir os consultados.

Já que o senhor citou a Venezuela. Uma das pautas da campanha foi a defesa da democracia. Em política externa, o Brasil vai também falar de democracia?

Lógico. Nós sempre falamos. No governo de Dilma Rousseff, havia uma troika da Unasul que viajava. Eu, como ministro do governo Dilma, fui mais de uma vez por mês para a Venezuela com o chanceler do Equador e a chanceler da Colômbia. Mantivemos negociações constantes e contatos com o governo, em todas as áreas. Do presidente à Suprema Corte. Falamos também com a oposição. Negociávamos e conversávamos e, finalmente, o governo venezuelano aceitou a realização das eleições nas quais o governo saiu derrotado. Esse é o papel. Negociar é conversar. Não virar as costas por ter uma posição diferente.

Então a democracia vai ser uma pauta com a Venezuela ou Cuba?

Com todos os países, lógico.

Brasil fará parte de algum esforço para preparar a eleição na Venezuela em 2024?

Se houver um grupo de bons ofícios ou "Amigos da Venezuela" para esse objetivo e se formos convidados, participaremos sem dúvida nenhuma.

Sobre Israel, a embaixada fica em Tel Aviv?

Evidente. É a capital que o governo reconhece. A embaixada do Brasil está e ficará em Tel Aviv.

Há dentro do Itamaraty uma pressão sobre o fato de que as decisões não foram suficientes para promover uma maior igualdade de gênero na chancelaria. O senhor pretende aprofundar essas medidas?

Já houve tantos passos importantes e únicos. Uma mulher secretaria-geral [do Itamaraty]. Uma mulher na embaixada em Washington e em breve outras serão anunciadas. Temos dez secretários e três são mulheres, que é uma taxa mais que a proporção das mulheres dentro do Itamaraty. O que precisamos fazer é uma política para estimular que mulheres se apresentem nos concursos. Hoje, não podemos promover uma paridade se as mulheres representam 25% [dos diplomatas].