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Jamil Chade

REPORTAGEM

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Itamaraty faz consultas com chanceler de Putin antes de definir mediação

23.dez.2022 - O ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov, durante coletiva em Moscou - Evgenia Novozhenina/Pool/AFP
23.dez.2022 - O ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov, durante coletiva em Moscou Imagem: Evgenia Novozhenina/Pool/AFP

Colunista do UOL

01/03/2023 13h36

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O chanceler Mauro Vieira realizou consultas nesta quarta-feira com o governo russo, no processo de ouvir todos os lados envolvidos no conflito armado na Ucrânia antes de articular uma mediação para levar a guerra a um processo de paz, projeto anunciado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O Kremlin já havia indicado que está estudando a proposta brasileira. Mas, nos bastidores, tanto os aliados de Moscou como de Kiev admitem que a criação de um grupo mediador não deve ocorrer no curto prazo.

Às margens da reunião do G-20, na Índia, o chefe da diplomacia brasileira manteve uma reunião de 45 minutos com o chanceler russo, Sergei Lavrov, considerado como o braço direito de Vladimir Putin.

Vieira optou por ouvir a posição russa. Mas fontes indicaram que Moscou também indicou que entende a posição brasileira no conflito, de se manter distante de qualquer sanção ou aliança automática com o Ocidente, mesmo que tenha condenado a agressão russa.

O governo de Luiz Inácio Lula da Silva quer promover a ideia da criação de um grupo de países emergentes que possam atuar como articuladores de um eventual processo de paz.

O chanceler brasileiro já havia mantido um contato com a chefia da diplomacia ucraniana e, agora, realizou as primeiras consultas com Moscou. O Itamaraty também esteve reunido com a Índia e ainda quer articular encontros com europeus e com governos de economias emergentes. Ainda nesta semana, Vieira estará com o secretário de Estado norte-americano, Antony Blinken.

A ideia é a de fechar um panorama para, então, começar a pensar no formato ou em alguma iniciativa de mediação.

O encontro com Lavrov ocorre depois que o Itamaraty votou ao lado dos europeus e americanos numa resolução na ONU que condenou os russos pela agressão contra a Ucrânia, fato que foi abertamente comemorado pelo governo da França e outros da UE. Mas o governo Lula insiste que não está tomando posição no conflito e que quer criar um grupo de mediadores para buscar uma saída para a guerra.

Nos bastidores da diplomacia, a proposta brasileira é vista como uma possibilidade distante e ainda improvável de acontecer, pelo menos no curto prazo.

Se em declarações públicas, governos de ambos os lados do conflito insistem que querem a paz e que estão dispostos a falar sobre projetos, como o do Planalto, a realidade em salas fechadas e longe da imprensa é que tal iniciativa não está sendo considerada como realista. O obstáculo não seria o Brasil. Mas a ausência de uma real vontade política das partes envolvidas no conflito para abandonar a via militar.

O UOL teve acesso exclusivo aos bastidores de reuniões na ONU e a troca de impressões entre alguns dos principais chefes da diplomacia internacional. A constatação é de que nem ucranianos e nem russos querem, hoje, uma mediação para o conflito.

Lula, desde que assumiu o governo, vem tratando com líderes estrangeiros a possibilidade da criação de um grupo de países que possam dialogar e buscar um caminho para um eventual cessar-fogo.

Mas o tom nos corredores das Nações Unidas e nas chancelarias em diferentes capitais do mundo é de pessimismo e uma narrativa ainda bélica que toma conta da tomada de posições por parte dos principais interlocutores. Não se descarta que, eventualmente, o projeto brasileiro possa ser retomado. Mas o momento não teria ainda chegado e que negociadores admitem que não existem condições políticas para que o plano se consolide.

Fontes próximas ao processo negociador, de fato, relataram ao UOL que existe um fracasso até mesmo da ONU para oferecer seus bons ofícios por um acordo. Dois motivos são considerados fundamentais para esse impasse:

  • Não existe nenhum pedido por parte de Kiev ou por parte de Moscou para que uma mediação seja realizada.
  • Ambos ainda acreditam que podem vencer militarmente o conflito. Para esses negociadores, portanto, o projeto de Lula "não é para agora". A sugestão é de que o Brasil reavalie e, primeiro, costure com outros países as bases do que poderia ser esse grupo.

"Por enquanto, nem russos e nem ucranianos querem negociar e acreditam, cada um deles, que podem vencer a guerra no campo de batalha", relatou um dos principais negociadores da ONU.

Do lado ucraniano, há um otimismo diante das novas armas de nova tecnologia que o país tem recebido. Kiev acredita que pode minar a confiança dos russos e até restabelecer territórios que tinham sido anexados.

De outro, os russos estariam confiando na dimensão de sua economia para resistir às sanções, no fôlego de uma sociedade acostumada com períodos de dificuldade e com seu gigantismo. A vitória, portanto, viria com "paciência" e o "desgaste" da aliança ocidental, já que as economias europeias e de outros partes do mundo poderiam começar a sofrer diante das sanções contra o setor de energia.

País neutro, mas armado

De acordo com relatos internos na ONU, já houve um esforço nos bastidores para oferecer uma mediação, o que não foi aceito nem em Kiev e nem em Moscou.

A base do projeto previa:

  • Transformar a Ucrânia num país armado, mas neutro. Ou seja, Kiev poderia ter seu exército, mas sem formar parte da OTAN.
  • A região de Donbass permaneceria na Ucrânia, mas um grau mais elevado de autonomia seria garantido.
  • Um congelamento da crise na Crimeia, anexada por Moscou em 2014. Ou seja, não haveria um reconhecimento internacional de que a região passa a fazer parte da Rússia. Mas não haveria um questionamento sobre o fato de que, na prática, a região está controlada e administrada por Moscou.