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Josias de Souza

Panelaço proporciona a Bolsonaro noite de 'Dilmo'

Colunista do UOL

18/03/2020 04h07

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Jair Bolsonaro ainda não conseguiu construir uma obra capaz de assegurar a realização do sonho da reeleição. E já não tem a certeza de que conseguirá deter a desconstrução que leva à realização do pesadelo da desmoralização política.

Na noite desta terça-feira, um panelaço ouvido em diferentes capitais proporcionou ao capitão uma noite de 'Dilmo'. Não foi a primeira vez. Não será a última. Flutua na atmosfera, além do medo do coronavírus, uma sensação de déjà vu.

Bolsonaro incorpora à sua Presidência o ruído estridente das penelas, trilha sonora da gestão Dilma Rousseff. "Panelaço meia-boca", retuitou Eduardo Bolsonaro, sem se dar conta de que grandes barulhos sociais costumam começar com um chiado.

Há duas calamidades no Brasil —uma sanitária e outra verbal. Num instante em que o cumprimento com as mãos é desaconselhado pelos sanitaristas, parte da sociedade decidiu responder à retórica tóxica de Bolsonaro com os pés.

Ao tratar a pandemia do coronavírus como uma "fantasia" que, turbinada pela "grande mídia", evolui para a "histeria", Bolsonaro abusa da paciência alheia. Suas palavras cutucam com vara curta o saco cheio nacional. Deu no que está dando.

Deu-se algo parecido há sete meses, em agosto de 2019. Foi nessa ocasião que as panelas retornaram à janela pela primeira vez sob Bolsonaro. Foram acordadas por um pronunciamento do 'Dilmo' no rádio e na TV sobre meio ambiente.

Depois de desprezar dados científicos sobre o desmatamento, desossar o Ibama e anestesiar a fiscalização ambiental, Bolsonaro fez pose de ambientalista em rede nacional.

"A proteção da floresta é nosso dever", declarou à época. "Estamos cientes disso e atuando para combater o desmatamento ilegal e quaisquer outras atividades criminosas que coloquem a nossa Amazônia em risco."

Agora, Bolsonaro volta a zombar da ciência. Evita olhar ao redor. Isento de infecção, o presidente está cercado pelo vírus. Nada menos que 14 integrantes da comitiva que o acompanhou na recente viagem aos EUA foram contaminados.

Panelaço anti-Bolsonaro soou em vários bairros de São Paulo

TV Folha

Na manhã desta terça, Bolsonaro voltou a pressionar a tecla da "histeria". Insinuou que governadores empurram as pessoas para suas casas com o deliberado propósito de intoxicar a economia.

No final do dia, Bolsonaro comparou a Itália, onde a pandemia já abriu mais de 2,5 mil covas, ao bairro de Copacabana. E equiparou o sombroso coronavírus à experiência solar de uma gravidez.

"A Itália é uma cidade... É um país parecido com o bairro de Copacabana, onde cada apartamento tem um velhinho ou um casal de velhinhos. Então, são muito mais sensíveis, morre mais gente", disse o chefe da nação.

"A gente não pode ter histeria", repetiu. "Se ficar todo mundo maluco, as consequências serão as piores possíveis", prosseguiu. "Tem locais, em alguns países, que já tem saques acontecendo. Isso pode vir para o Brasil, pode ter aproveitamento político em cima disso, a gente não quer pensar nisso daí."

Com a sapiência habitual, Bolsonaro arrematou: "Tem que ter calma. Vai passar. Desculpa aqui, é como uma gravidez, um dia vai nascer a criança. E o vírus ia chegar aqui um dia, acabou chegando."

Num ponto, Bolsonaro é idêntico a Dilma. Assim como a ex-gerentona, ele é 100% responsável pela deterioração das expectativas que despertou. O capitão usufruindo privilégio de escolher seu próprio caminho para o inferno.

Sempre que Bolsonaro inicia um raciocínio, seu cérebro se comporta como se estivesse em trabalho de parto. Quando conclui a frase, desperta na plateia aquela incômoda sensação de que a montanha deu à luz um camundongo.