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Josias de Souza

Bolsonaro grava selfie com principal líder do centrão

Colunista do UOL

22/04/2020 22h16

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Brasília convive com dois Bolsonaros nos últimos dias. Um deles, língua em riste, pronunciou no domingo (19) o discurso crispado no qual decretou o fim da "época da patifaria", deu um basta na "velha política", e proclamou: "Não queremos negociar nada". O segundo Bolsonaro recepcionou no dia seguinte o deputado Arthur Lira (PP-AL), principal líder do centrão, réu na Lava Jato por corrupção —um legítimo representante do arcaísmo político.

No vídeo acima, obtido pela coluna, Jair Bolsonaro e Arthur Lira, pretendente à presidência da Câmara, confraternizam-se como velhos amigos. O deputado esteve três vezes com Bolsonaro desde a semana passada, inclusive nesta quarta-feira (22). Às gargalhadas, Bolsonaro gravou uma selfie com saudação a familiares de Lira, "grandes fãs".

Esse Bolsonaro da intimidade do gabinete presidencial transforma em caricatura o orador de domingo, que fazia pose de político casto diante de uma multidão de apologistas de uma intervenção militar, com reedição do AI-5 e fechamento do Congresso e do STF.

Politicamente isolado, Bolsonaro comprou brigas em excesso. Desentendeu-se com a cúpula do Congresso, acusando o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, de tramar a favor do seu impeachment. Estranhou-se com o Supremo, estimulando a difusão da versão segundo a qual ministros da Corte estariam mancomunados com Maia para prejudicá-lo. De resto, manteve acesa a desavença com os governadores.

Ministros militares aconselharam Bolsonaro a trocar o levantamento de muros pela construção de pontes. Os generais Braga Netto, chefe da Casa Civil, e Luiz Eduardo Ramos, responsável pela coordenação política, cogitaram organizar uma conversa com Rodrigo Maia. Bolsonaro desautorizou. E deflagrou uma articulação para atrair os aliados de Maia nos partidos do centrão e do centro.

Bolsonaro abriu negociações com um leque partidário que vai do PP do réu Arthur Lira ao MDB, ex-sócio majoritário do PT na pilhagem ao Estado. Passaram pelo gabinete presidencial desde a semana passada uma série de prontuários filiados a legendas que estrelaram os dois escândalos da era petista: mensalão e petrolão. Os novos interlocutores do Planalto celebram nos subterrâneos a disposição do presidente de levar cargos ao balcão.

Embora carregue na biografia 28 anos de vida parlamentar e passagens por sete partidos —entre eles o PP de Lira— Bolsonaro elegeu-se presidente da República em 2018 fazendo pose de candidato antissistema. Surfou a aversão do eleitorado ao petismo, ao sistema partidário e às instituições. Agora, sentindo-se ameaçado pelo sistema, o capitão realiza um movimento muito parecido com um cavalo de pau.

Bolsonaro achega-se à ala bandalha do Congresso com naturalidade hedionda. Começa a ser fustigado até por apoiadores nas redes sociais. Se não der meia-volta, logo passará a ser visto como parte integrante da "patifaria".