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Josias de Souza

Bolsonaro torna Ministério da Saúde não essencial

Colunista do UOL

12/05/2020 05h49

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Jair Bolsonaro dispensa ao ministro Nelson Teich um tratamento bem diferente do que infligia a Henrique Mandetta. Com Mandetta, o capitão guerreava por meio da imprensa. Com Teich, nem isso.

O presidente transformou o doutor num personagem despiciendo. Sem ouvir seu hipotético ministro da Saúde, baixou decreto autorizando a retomada de três atividades "essenciais": academias de ginástica, salões de beleza e barbearias.

O que está escrito nas entrelinhas do decreto de Bolsonaro, em letras invisíveis, é o seguinte: "O Ministério da Saúde é uma pasta não essencial."

Diante das câmeras, em plena entrevista coletiva, Teich se deu conta de que o pior tipo de solidão é a companhia de Bolsonaro no meio de uma pandemia.

Indagado sobre o novo decreto presidencial, o ministro protagonizou minutos constrangedores.

"...Foi uma decisão do presidente, que ele decidiu isso aí", disse Teich, sem muita convicção: "Saiu hoje isso?" O ministro olhou para o personagem ao lado, o general Eduardo Pazuello, o número 2 do ministério. Nada.

Um repórter tentou socorrer Teich: "Ele acabou de falar no Alvorada." E o ministro, entre incrédulo e estupefato: "Falou agora?" Diante da resposta afirmativa, o doutor ergueu levemente a mão. E emendou: "Decisão de?... Manicure, academia..."

Outro repórter acudiu o suposto ministro: "Barbearia". Falando como se desejasse fornecer tempo ao cérebro para pegar no tranco, Teich repetiu: "Barbearia..." Engatou uma segunda: "...Não é atribuição nossa, isso aí é uma decisão do presidente."

Uma assessora do ministro tentou virar a página: "Mais alguma pergunta?" Teich voltou a trocar olhares com o general Pazuello. Nada.

A ficha do pseudo-ministro ainda não caiu. Bolsonaro enfiou o general no organograma da Saúde para obter informações da pasta, não para estabelecer um fluxo de dados em mão dupla.

"É o ministério da Economia que decide isso...?!?!", balbuciou o hipotético ministro. O general limitou-se a concordar com um movimento de cabeça. E Teich, virando a página para trás, pediu a atenção dos repórteres: "Só uma coisa..."

Cuidou de tomar distância social da pasta de Paulo Guedes: "É o Ministério da Economia que decide isso. A decisão de atividades essenciais é uma coisa definida pelo Ministério da Economia."

Teich tentou fixar um contraponto: "O que eu realmente acredito é que qualquer decisão que envolva a definição como essencial ou não, ela passa pela tua capacidade de fazer isso de uma forma que proteja as pessoas."

O entrevistado sentiu a necessidade de soar repetitivo: "Só para deixar claro que isso é uma decisão do Ministério da Economia. Não é nossa." Desnecessário enfatizar. Já estava claro que a pasta a Saúde fora ignorada.

Bolsonaro já havia demonstrado seu descaso pelo trabalho de Teich na semana passada, quando marchou sobre o Supremo Tribunal Federal. Foi queixar-se do isolamento social que leva CNPJs à UTI.

Participaram da marcha empresários e uma penca de ministros. Até o filho Zero Um, Flávio Bolsonaro, foi levado a tiracolo pelo presidente. A única coisa que não ocorreu a Bolsonaro foi chamar o seu ministro da Saúde.

O esquecimento de Bolsonaro é metódico. Ele exclui Teich de compromissos e decisões porque não deseja correr o risco de injetar racionalidade médica na sua conversa mole sobre "volta à normalidade".

Na prática, o decreto de Bolsonaro não tem serventia, pois governadores e prefeitos ganharam do Supremo Tribunal Federal o reconhecimento da prerrogativa de agir na pandemia na contramão do negacionismo de Brasília.

Quer dizer: o decreto presidencial serviu apenas para humilhar o ministro da Saúde e transferir a culpa pelo tsunami econômico para governadores e prefeitos adeptos do isolamento social.