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Josias de Souza

Guedes sente efeito da debandada de Bolsonaro

Colunista do UOL

12/08/2020 04h37

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Ao chamar de "debandada" os pedidos de demissão de mais dois auxiliares, Paulo Guedes passou a impressão de ter exagerado na franqueza. Engano. O ministro sonegou aos microfones o essencial. Em privado, Guedes trata o derretimento da equipe econômica como consequência da debandada de Jair Bolsonaro do projeto de reformas liberais que prometera implementar.

A ficha demorou a cair, pois tudo o que estava combinado já virou do avesso. Sergio Moro teria carta branca, o toma-lá-dá-cá com o centrão viraria coisa do passado e Guedes seria "o homem que decide a economia". Verificou-se que cartas brancas não existem. Nova política? Ficção. O liberalismo do capitão era de vidro e se quebrou. A prioridade é a reeleição, não a austeridade.

Abalroado pela pandemia, Guedes já havia declarado que um "meteoro" atingira o seu projeto. Meia verdade. O vírus agravou a ruína econômica. Mas a derrocada do projeto começou antes da crise sanitária e prosseguirá depois dela. Em 2019, sem pandemia, Guedes entregou um pibinho de 1,1%, resultado inferior ao índice de 1,3% produzido em 2017 e 2018, sob Michel Temer.

Para 2021, Guedes projetara um período pós-vírus marcado pela volta do rigor fiscal. O diabo é que, autorizados por Bolsonaro, os ministros Rogério Marinho e Tarcísio de Freitas sondam o TCU sobre a hipótese de abrir brechas no teto de gastos para financiar o Pró-Brasil, um primo do petista PAC, Programa de Aceleração do Crescimento. Coisa de R$ 30 bilhões.

"Os conselheiros do presidente que estão aconselhando a pular cerca e a furar teto vão levar o presidente para uma zona de incerteza, uma zona sombria", vaticinou Guedes. "Uma zona de impeachment, de irresponsabilidade fiscal." Ironicamente, o mesmo Guedes tentou furar o teto de gastos dias atrás, encostando no Fundeb, fundo educacional, um puxadinho populista: o Renda Brasil, irmão mais gordo do Bolsa Família.

Na definição do senador Flávio Bolsonaro, Guedes foi reduzido à condição de ministro encarregado de "arranjar um dinheirinho" para impulsionar a ambição política do Planalto. Nada a ver com a imagem de um superministro.

Há um quê de autodesmoralização no enredo de Guedes. No gogó, o ministro prometera arrecadar R$ 1 trilhão com a venda de estatais. Nem sinal. Comprometera-se a grudar na reforma da Previdência a reforma administrativa. Nada. Zeraria o déficit no primeiro ano. Zzzzzzzz.

Restou a Guedes lamentar o desembarque de Salim Mattar, o assessor que faria deslanchar as privatizações que Bolsonaro nunca abraçou. Restou ao ministro lastimar a saída de Paulo Uebel, o secretário que coordenou a elaboração da reforma administrativa que o presidente engavetou.

"O Salim, hoje, me disse o seguinte: 'A privatização não está andando. Eu prefiro sair'. E o Uebel me disse o seguinte: 'A reforma administrativa não está sendo enviada. Eu prefiro sair'", relatou Guedes. "Houve uma debandada?", ele perguntou a si mesmo. "Hoje houve. Hoje houve uma debandada."

O pedaço mais relevante da fala de Guedes foi o trecho em que o ministro tropeçou no óbvio: "Se o presidente da República quiser mandar alguma reforma, ela é mandada. Se ele não quiser, não é mandada. Quem manda não é o ministro. Quem manda não são os secretários..." Ficou no ar a impressão de que o ministro, a exemplo dos seus auxiliares, Guedes namora a ideia de chamar o caminhão de mudança.