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Josias de Souza

'Anvisa não serve aos interesses de governos', afirmam servidores em carta

                                CADU ROLIM / ESTADãO CONTEúDO
Imagem: CADU ROLIM / ESTADãO CONTEúDO

Colunista do UOL

11/12/2020 04h26

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A Associação dos Servidores da Anvisa (Univisa) divulgou uma "carta aberta" na noite desta quinta-feira. O texto realça a independência do órgão —"a agência não serve aos interesses de governos", refuta interferências externas —"o trabalho técnico está acima de qualquer pressão"—, e reconhece a excepcionalidade do momento —foi criado um comitê "para se dedicar exclusivamente à análise dos pacotes de dados contidos nos pedidos de registro e de autorização para uso emergencial das vacinas contra a Covid-19."

A carta veio à luz no final de uma semana em que a corrida por vacinas virou uma disputa política. De um lado, Jair Bolsonaro. Do outro, o governador tucano de São Paulo, João Doria. Sem mencionar nomes, os servidores tomaram distância dos contendores: "A Anvisa é um órgão do Estado brasileiro e está a serviço do povo brasileiro."

Num instante em que o Ministério da Saúde e a diretoria da própria Anvisa ganham aparência militar, o documento anota que o quadro de técnicos da agência "é constituído por servidores de carreira", cujas decisões são "baseadas exclusivamente em critérios técnicos e científicos."

A animosidade entre Doria e Bolsonaro esquentou depois que o governador paulista marcou para 25 de janeiro o início da imunização em São Paulo, a ser feita com a vacina chinesa CoronaVac. Em reunião com os governadores, o general Eduardo Pazuello, ministro da Saúde, insinuou que o prazo seria inviável, pois a Anvisa demoraria 60 dias para certificar a vacina.

No dia seguinte, ao falar sobre a vacina da logomarca Pfizer—BiONtech, que o governo federal decidiu adquirir de última hora, Pazuello abreviou os prazos. Declarou que a vacinação poderia ser iniciada, em caráter emergencial, ainda em dezembro. A Pfizer desdisse o general ao esclarecer que, como a encomenda de 70 milhões de doses feita pelo governo brasileiro demorou a ser formalizada, não seria possível entregar nada antes de janeiro.

Alheios à disputa que Doria e Bolsonaro travam pela foto da primeira imunização contra a Covid-19 a ser feita em território brasileiro, os servidores da Anvisa reconheceram o "momento crítico" que o país atravessa. Mas falaram de agilidade sem fixar datas.

Limitaram-se a informar que o comitê de vacinas da Anvisa "tem trabalhado incansavelmente, por meio de avaliação técnica criteriosa." O processo "inclui uma análise rigorosa dos dados laboratoriais, de produção, de estabilidade e clínicos, de forma isenta e sem se submeter a qualquer tipo de pressão política e no menor tempo possível, com o objetivo de assegurar que as vacinas contra a Covid-19 que venham a ser registradas pela agência sejam seguras, eficazes e produzidas com qualidade."

Vai abaixo a íntegra da "Carta Aberta à Sociedade Brasileira:

"Nós, servidores da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), reafirmamos, por meio desta carta aberta, o caráter técnico e independente dos trabalhos e das atividades desenvolvidos pelos servidores da Agência na promoção e na proteção da saúde da população. Por se tratar de uma autarquia sob regime especial, conforme define a própria lei de criação da Anvisa, a Agência não serve aos interesses de governos, de pessoas, de organizações ou de partidos políticos.

Pressões externas são inerentes ao trabalho desenvolvido por nós, servidores da Anvisa, mas o trabalho técnico está acima de qualquer pressão. A Anvisa é um órgão do Estado brasileiro e está a serviço do povo brasileiro. Ao longo dos seus 20 anos de existência, a Agência consolidou-se como uma referência no setor de saúde justamente pelo trabalho desenvolvido por seus servidores, que resultou na reconhecida excelência da sua atuação regulatória e na credibilidade de suas ações e decisões, baseadas exclusivamente em critérios técnicos e científicos.

Deve-se destacar que a Anvisa foi classificada como Agência Reguladora Nacional de Referência Regional pela Organização Pan-Americana da Saúde (Opas). Em 2019, também foi eleita para ocupar a última vaga disponível no Comitê Gestor do Conselho Internacional de Harmonização de Requisitos Técnicos para Registro de Medicamentos de Uso Humano (ICH). O Comitê Gestor do ICH é composto pelos membros permanentes (Estados Unidos, União Europeia, Japão, Canadá e Suíça) e há quatro vagas para membros eleitos, das quais três foram ocupadas em 2018 (Coreia do Sul, China e Singapura) e, agora, pelo Brasil, cujo mandato vai até 2021.

Além disso, em 30 de novembro deste ano, a Anvisa foi formalmente comunicada da conclusão, com sucesso, do processo de adesão da Agência ao Esquema de Cooperação em Inspeção Farmacêutica (PIC/S, do inglês Pharmaceutical Inspection Co-operation Scheme). Assim, a Anvisa se tornou o 54º membro da iniciativa internacional em inspeção farmacêutica, passando a contar com o reconhecimento internacional da excelência das inspeções em Boas Práticas de Fabricação (BPF) de medicamentos e insumos farmacêuticos de uso humano. O cumprimento das Boas Práticas de Fabricação Farmacêuticas por parte das empresas fabricantes é requisito prévio fundamental para a aprovação e a comercialização desses insumos de saúde no Brasil.

É importante ressaltar, ainda, que o corpo técnico da Anvisa é constituído por servidores de carreira. Ademais, o Comitê criado para se dedicar exclusivamente à análise dos pacotes de dados contidos nos pedidos de registro e de autorização para uso emergencial das vacinas contra a Covid-19, doença caracterizada como pandemia pela OMS desde março de 2020 e que já vitimou dramaticamente mais de 178 mil brasileiros, tem seguido e respeitado preceitos técnicos previstos no arcabouço regulatório sanitário vigente no país.

Nesse sentido, tal comitê tem trabalhado incansavelmente, por meio de avaliação técnica criteriosa, que inclui uma análise rigorosa dos dados laboratoriais, de produção, de estabilidade e clínicos, de forma isenta e sem se submeter a qualquer tipo de pressão política e no menor tempo possível, com o objetivo de assegurar que as vacinas contra a Covid-19 que venham a ser registradas pela Agência sejam seguras, eficazes e produzidas com qualidade. Somos sensíveis e solidários a este momento crítico que todos nós estamos atravessando e temos trabalhado de forma ativa no enfrentamento da pandemia desde o início e em diversas frentes, como no controle sanitário de portos, aeroportos e fronteiras, no registro de kits de diagnóstico da doença, na agilização do registro de respiradores, na elaboração de protocolos de segurança em serviços de saúde, na flexibilização de normas para disponibilização de álcool gel e saneantes, entre outros.

Por isso tudo, neste momento de pandemia, ratificamos nosso compromisso com a saúde, com o povo brasileiro e com uma atuação ética, obrigação de todos os servidores públicos, frente a qualquer tipo de pressão ou intervenção política no desenvolvimento de nossas atividades. Estamos cientes da importância e das expectativas em torno das atividades que desenvolvemos na análise da qualidade, da segurança e da eficácia das vacinas para a Covid-19. Sentimos orgulho de contribuir para enfrentar esta situação inédita de pandemia e estamos cientes de que o nosso trabalho irá reverberar em cada família brasileira, inclusive nas nossas próprias. Afinal, também somos cidadãos e somos igualmente afetados pelas decisões da Anvisa.

Por fim, prestamos nossa solidariedade a todos os familiares e pessoas que perderam entes queridos em razão da Covid-19 e prestamos também nossa homenagem aos trabalhadores da saúde que se encontram na linha de frente de atuação no enfrentamento da pandemia. Podem ter certeza de que nós, servidores da Anvisa, não faltaremos ao povo brasileiro e daremos nossas melhores energias e todo o nosso conhecimento técnico para aprovar, com segurança e com a urgência que a situação exige, as vacinas que o país aguarda com tanta ansiedade. Mantemos o nosso compromisso de atuar em prol dos interesses da saúde pública, honrando a missão da Agência de "proteger e promover a saúde da população, mediante a intervenção nos riscos decorrentes da produção e do uso de produtos e serviços sujeitos à vigilância sanitária, em ação coordenada e integrada no âmbito do Sistema Único de Saúde".