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Josias de Souza

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Inflação arruinou estratégia política de Bolsonaro

2.out.2021 - A alta dos preços tem sido um dos pontos principais nos protestos contra o governo do presidente Jair Bolsonaro. Um botijão de gás e um saco de arroz foram inflados na avenida Paulista, em São Paulo - Herculano Barreto Filho/UOL
2.out.2021 - A alta dos preços tem sido um dos pontos principais nos protestos contra o governo do presidente Jair Bolsonaro. Um botijão de gás e um saco de arroz foram inflados na avenida Paulista, em São Paulo Imagem: Herculano Barreto Filho/UOL

Colunista do UOL

03/10/2021 05h36

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Ao comprar a proteção do centrão, espetando a conta no déficit público, Bolsonaro livrou-se do impeachment. Mas impôs a si mesmo e ao país o suplício de conviver por mais um ano e três meses com os perigos de um governo sem rumo. O avanço da vacinação promove uma evolução gradativa no enredo da tragédia. À medida que o coronavírus vai deixando lentamente o centro do palco, entra em cartaz uma bactéria antiga, velha conhecida dos brasileiros. Chama-se inflação.

De acordo com o Banco Central, os dados colecionados em setembro projetam uma inflação de dois dígitos para o penúltimo trimestre do ano. Nessa projeção, a inflação acumulada de 12 meses será de 10,2%. Quando se refere à conjuntura econômica adversa, Bolsonaro soa desconexo. Mal comparando, o presidente se comporta como um oficial alemão que foi visitar o estúdio de Pablo Picasso durante a ocupação de Paris.

Ao se deparar com uma reprodução de Guernica, aquele quadro que mostra a destruição da cidade espanhola na guerra civil, o oficial indagou: "Foi o senhor que fez isso?". E Picasso: "Não, foram os senhores." A inflação arruinou a tática eleitoral de Bolsonaro, estragando o papel que ele mais gosta de desempenhar: o de colocar a culpa nos outros. O capitão atribui o cenário de terra arrasada aos governadores. Mas a Guernica econômica brasileira é uma ruína federal.

Em termos estritamente numéricos, as manifestações promovidas pela oposição neste final de semana foram um fiasco. Reuniram-se na Avenida Paulista, segundo estimativa da Secretaria de Segurança Pública do Governo de São Paulo, cerca de 8 mil pessoas. Bem menos que os 125 mil devotos arrebanhados por Bolsonaro no feriado de 7 de Setembro. Ciente de que não dispõe de base legislativa e social para derrubar o presidente, a oposição cuidou de ajustar a estratégia.

Em meio às faixas de "genocida" e "fora, Bolsonaro", ganharam as ruas objetos infláveis gigantes no formato de botijões de gás e sacos de arroz e feijão. Em São Paulo, lia-se num dos botijões: "Está caro? Culpa do Bolsonaro." Num instante em que brasileiros pobres fazem fila para garimpar ossos descartados por supermercados, os discursos de líderes oposicionistas incluíram referências à fome e à carestia. As faixas rebatizaram Bolsonaro de "Bolsocaro".

Aos poucos, confirma-se uma previsão que o próprio Bolsonaro fizera em março do ano passado, quando a pandemia da "gripezinha" chegou ao Brasil: "Se a economia afundar, afunda o Brasil", dissera o presidente. "Se acabar a economia, acaba qualquer governo. Acaba o meu governo." O relatório final da CPI da Covid, a ser votado no próximo dia 20 de outubro, encurtará um pouco mais a margem de manobra de Bolsonaro.

O presidente continuará atribuindo a derrocada econômica à política de isolamento social que os governadores foram compelidos a adotar para combater o coronavírus. Mas as conclusões da CPI reforçarão a percepção de que, se tivesse combinado sua alegada preocupação econômica com uma noção qualquer de responsabilidade sanitária, Bolsonaro talvez tivesse criado menos crises e comprado vacinas mais rapidamente.

Ficará evidenciado também o desvirtuamento da atuação do ministro Paulo Guedes (Economia), outro alvo das faixas erguidas nas manifestações de sábado. Na fatídica reunião ministerial de 22 de abril de 2020, aquela em que os palavrões soaram mais alto do que as ideias, Guedes declarou: "Vamos fazer todo o discurso da desigualdade, vamos gastar mais, precisamos eleger o presidente." Desde então, o ministro atua como uma espécie de coordenador do comitê eleitoral de Bolsonaro.

O ex-superministro da Economia ajusta suas pretensões liberais reformistas às limitações e às conveniências de um presidente que, embora tenha se revelado bem menor do que a crise que engolfa o seu governo, mantém a obsessão pelo plano de se reeleger. O desejo contrasta com a realidade de um pais que entrará no ano eleitoral de 2022 com o pé esquerdo.

A combinação tóxica de crise política, desemprego, inflação, juros e ameaça de apagão elétrico derruba as previsões de crescimento do próximo ano de patamares acima de 2% para um pibinho inferior a 1%. Num esforço para atenuar a taxa de impopularidade de 53%, Bolsonaro tenta colocar em pé o Auxílio Brasil, uma versão vitaminada do Bolsa Família que o governo projetou em cima do joelho.

Sem dinheiro, Bolsonaro recorre ao aumento de impostos. Por decreto, elevou o IOF. Rala para aprovar no Congresso uma reforma do Imposto de Renda que inclui a tributação de dividendos. Paulo Guedes gasta saliva para convencer o Legislativo a abrir espaço no Orçamento de 2022 parcelando dívidas judiciais de R$ 90 bilhões.

Embora tudo esteja pendente de aprovação, o governo obteve do Legislativo autorização para incluir fundos hipotéticos como fonte de financiamento do novo programa de renda mínima. É como se Bolsonaro cacarejasse ovos ainda não botados. Simultaneamente, Guedes entrega-se a um exercício de ciclismo orçamentário que manda às favas a Lei de Responsabilidade Fiscal, construindo sobre o teto de gastos um segundo andar para alojar o seu orçamento paralelo. Não há o menor risco de acabar bem.