'Qualquer um' entregará faixa a Lula com mais dignidade do que Bolsonaro

No fundo, o modo como os presidentes deixam a Presidência ajuda a avaliar o uso que fizeram dela. Numa evidência de que fez mau uso do cargo, Bolsonaro ensaia imitar o general João Figueiredo. Último ditador do ciclo militar, ele saiu pelos fundos do Planalto, antes da chegada de José Sarney. O general Hamilton Mourão, ainda vice-presidente, avisa que não cogita substituir Bolsonaro na cerimônia de posse. Disse, em entrevista ao jornal Valor, que "qualquer um" pode entregar a faixa presidencial a Lula.

A declaração de Mourão faz lembrar um caso relatado por Alzira Vargas no livro "Getúlio Vargas, Meu Pai." Alzirinha, como a filha de Getúlio era conhecida, conta que, em outubro de 1930, o então presidente Washington Luís, pressentindo que estava na iminência de ser deposto, chamou um antigo funcionário do Palácio do Catete, no Rio. Chamava-se Albino. Entregou-lhe a faixa presidencial. Pediu que guardasse em local seguro. Recomendou que, no momento apropriado, entregasse a faixa àquele que julgasse ser o seu legítimo merecedor.

Segundo o relato de Alzirinha, Albino escondia a faixa no próprio peito, vestindo-a por baixo do uniforme. Um dia, amainada a crise, o servidor convenceu-se de que Getúlio Vargas viera para ficar. E passou a faixa para o novo presidente. O episódio revela que general Mourão tem razão. "Qualquer um" é melhor do que Bolsonaro. Ou Mourão.

O capitão precisa ser desobrigado dessa formalidade. O general-substituto também. Num instante em que a Covid volta a soluçar, Lula poderia receber a faixa, por exemplo, das mãos da enfermeira Mônica Calazans. Trata-se daquela cidadã negra que recebeu a primeira dose de vacina contra o coronavírus, em São Paulo, numa época em que Bolsonaro se orgulhava do seu negacionismo.

Há no Brasil milhões de Mônicas e Albinos que passariam a faixa para Lula com mais dignidade do que Bolsonaro.