Mais fácil punir ofensa a general do que desacato à Constituição
No total, 109 réus do 8 de janeiro continuam presos. Um deles, Cleriston Pereira da Cunha, morreu no pátio da Papuda na semana passada, durante o banho de sol. Quase três dezenas de pessoas já foram condenadas. Há no rol de detidos e sentenciados um hediondo déficit de fardas.
É impossível elucidar em termos categóricos os fatos que levaram ao quebra-quebra nas sedes dos Três Poderes sem incluir no roteiro o papel desempenhado pelos militares. Oficiais bolsonaristas contribuíram —por ação ou omissão— com a formação da conjuntura que produziu a tentativa de golpe. Nenhum deles foi punido a sério.
Há três dias, surgiu o primeiro militar hipoteticamente "condenado", o coronel do Exército Adriano Camargo Testoni. Nada a ver com os rigores do ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes. A "condenação" foi decretada pela Justiça Militar. O crime do sentenciado foi xingar generais e o alto comando do Exército.
Acompanhado de sua mulher, o coronel Testoni marchou sobre a Esplanada dos Ministérios no dia da intentona bolsonarista. Irritou-se com as Forças Armadas, pois, na sua percepção, as tropas deveriam ter sido mobilizadas para proteger os "patriotas" que se insurgiram contra o resultado das urnas. Ele divulgou nas redes sociais um vídeo com os xingamentos.
Ofendeu especificamente os generais Ridauto Lúcio Fernandes, Marco Antônio Freire Gomes, Carlos Duarte Pontual de Lemos e Cristiano Pinto Sampaio. Foram dois os xingamentos mais eloquentes. Num, o coronel referiu-se à genitora dos seus superiores como pessoas que, exercendo a profissão de prostituta, o que torna impossível saber com precisão quem seriam seus pais, lhes deu à luz. Noutro, recomendou aos generais que se dedicassem à irrealizável tarefa da autofornicação.
Por mal dos pecados, o ofensor postou o vídeo em grupos de WhatsApp frequentados pelos ofendidos. No dia dos ataques, o coronel prestava serviços no Hospital das Forças Armadas, em Brasília. Foi exonerado em janeiro. Só na semana passada, amargou uma condenação mixuruca: um mês e dezoito dias de prisão em regime aberto. Ainda pode recorrer ao Superior Tribunal Militar. Reformado, continua recebendo aposentadoria de cerca de R$ 25 mil por mês.
Ironicamente, a Justiça Militar não enxergou problemas na presença de um coronel do Exército brasileiro no cenário do surto antidemocrático. Ao contrário. A sentença anota que "o réu agiu como cidadão no seu livre direito de se manifestar (pacificamente, por óbvio)." O problema foi que direcionou "suas descrenças e dissabores a superiores hierárquicos, olvidando a sua condição inafastável de militar, ainda que da reserva remunerada."
Concluiu-se que "a perda de controle emocional do acusado, naquelas circunstâncias, se distancia em muito do que era esperado de um oficial superior, pertencente à Arma de Combate (Infantaria) do Exército Brasileiro, não servindo como escudo a presença de sua esposa naquela manifestação popular".
Observada isoladamente, a "condenação" do coronel Testoni é apenas ridícula. Analisada num contexto em que nenhum outro militar foi lançado no rol dos culpados pelo 8 de janeiro, a novidade é constrangedora e aviltante.
Constrange porque são abundantes as evidências de que integrantes da cúpula das Forças Armadas foram cúmplices de Bolsonaro na incitação à tentativa de golpe. Avilta porque ficou entendido que é mais fácil simular a punição à ofensa a um grupo de generais do que condenar o desacato de oficiais à Constituição e ao regime democrático.
5 comentários
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Francisco Navarro Gordo Peres
Militares no Brasil são intocáveis. Podem matar, insuflar e cometer crimes, que não são punidos. Só Deus pode fazer justiça. Nas próximas encarnações, serão moradores de rua, integrantes da cracolândia para serem espancados pelos próprios policiais militares estaduais ou distritais.
Edson Ferreira do Nascimento
Bolsonaro abriu caminho para esses mercenários sedentos.
Luiz Alvaro Fairbanks de Sa
ORA BOLAS!!! SE JÁ RESTA BEM PROVADO NESSE VÍDEO QUE ESSA CRIATURA RUDE E MAL EDUCADA ESTAVA NAS INVASÕES TAMBÉM DEVERIA ESTAR NO ROL DE RÉUS DO STF E SENDO PROCESSADO COM AQUELAS ACUSAÇÕES DE OUTROS JÁ CONDENADOS A LONGAS PENAS FECHADOS...E QUEM VIVER VERÁ!!!