Imposto de Renda: Trabalhador segue pagando o pato enquanto super-rico ri
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"A falta de correção da tabela do Imposto de Renda é uma das faces mais cruéis da injustiça tributária no Brasil, pois atinge trabalhadores que ganham menos. Enquanto um sujeito que recebe R$ 400 mil por mês paga 5% de Imposto de Renda efetivo, porque tem uma série de deduções e isenções, o trabalhador tem sua remuneração taxada em alíquotas que vão de 7,5% a 27,5%."
A avaliação é de Eduardo Fagnani, professor do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e do Trabalho e coordenador do estudo que fundamentou a proposta de Reforma Tributária da oposição na Câmara dos Deputados, diante do não-reajuste da tabela do IR 2020 pelo governo. Com isso, a faixa de isenção continua R$ 1903,98.
"Realmente, Paulo Guedes estava sendo sincero quando, em entrevista, em dezembro passado, disse: "não olhe para nós procurando o fim da desigualdade social", afirmou.
Apesar da inflação de 4,31%, em 2019, a equipe econômica não corrigiu a tabela do Imposto de Renda. Defasagem maior significa, na prática, aumento de imposto. Desde 2015, não há reajuste. A defasagem acumulada já passa de 100%.
Jair Bolsonaro defendeu, no ano passado, a correção do piso de isenção do Imposto de Renda para cinco salários mínimos, ou seja, hoje, R$ 5.225,00. Como escrevi na época, concordo com o presidente.
Mas seu governo ignorou solenemente qualquer movimento nesse sentido que poderia ajudar a classe média. Ao mesmo tempo, protegeu os muito ricos, pois não buscou o retorno da taxação de dividendos distribuídos por empresas aos sócios e acionistas.
O tema não é novo, tampouco restrito à esquerda. Durante o governo Michel Temer, o então ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, realizou estudos sobre isso (apenas o Brasil e a Estônia isentam dividendos), considerando também reduzir o Imposto de Renda das empresas. Mas receberam uma enxurrada de críticas dos mais abonados. A taxação existia até 1995, quando o governo Fernando Henrique Cardoso concedeu o mimo.
Paulo Guedes já disse, em palestras a empresários, que eles deveriam dar sua costa de sacrifício. O Ministério da Economia já citou, inclusive, que a taxação de dividendos poderia ser usada para desonerar a folha de pagamento. Mas palavras não enchem barriga, nem ajudam na arrecadação.
Enquanto isso, o presidente Bolsonaro defende os ricos, parte de sua base eleitoral. Em outubro de 2018, afirmou: "Eu acho que no Brasil você não pode falar em mais ricos, está todo mundo sufocado. Se você aumentar a carga tributária para os mais ricos, como a França fez no governo anterior, o capital foi para a Rússia. O capital vai fugir daqui, a carga tributária é enorme. Quase tudo é progressivo no Brasil", em entrevista ao SBT. Não deu sinais de ter mudado de visão comportamento desde então.
Quem sufoca na crise são os mais pobres, a classe média, os pequenos e médios empresários. Somos uma bomba-relógio de desigualdade. Que só não estourou ainda por que a maioria levanta de madrugada todos os dias para trabalhar, chega cansada em casa após estudar à noite e, aos finais de semana, faz bico vendendo churrasquinho ou erguendo parede.
Pobreza é ruim, mas a desigualdade é pior por razões que extrapolam a realidade material. A desigualdade dificulta que as pessoas vejam a si mesmas e as outras pessoas como iguais e merecedoras da mesma consideração. Leva à percepção de que o poder público existe para servir aos mais abonados e controlar os mais pobres. Ou seja, para usar a polícia e a política a fim de proteger os privilégios do primeiro grupo, usando violência contra o segundo, se necessário for. Com o tempo, a desigualdade leva à descrença nas instituições. O que ajuda a explicar o momento em que vivemos hoje.
Combater a desigualdade é a diferença entre um projeto de poder e um projeto de país. Como já disse aqui, é difícil fazê-la avançar, uma vez que está escrito "o meu primeiro" naquela faixa branca que rasga o círculo azul da bandeira nacional. Pelo menos é o que diz quem faz as leis, quem as executa e quem julga seu cumprimento.
Em tempo: A proposta da oposição para a Reforma Tributária defende que seja organizada uma tabela progressiva do Imposto de Renda das Pessoas Físicas. Seus estudos técnicos sugerem uma elevação da faixa de isenção para quatro salários mínimos e uma modulação das faixas seguintes em 7,5% (mais de quatro a sete); 15% (sete a dez); 22,5% (dez a 15); 27,5% (15 a 40); 35% (40 a 60) e 40% (mais de 60). De acordo com os cálculos que foram usados na organização da proposta, 38,55% dos declarantes estariam isentos, 48,7% seria desonerados, 10% manteriam a contribuição atual e 2,73% seriam mais tributados do que hoje. Pela proposta, a taxação sobre dividendos seria retida na fonte no momento da distribuição dos dividendos. Estariam excluídos disso as micro e pequenas empresas e os microempreendedores individuais. Também seria revogada a permissão da dedução de juros sobre o capital próprio para o lucro tributável.