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Leonardo Sakamoto

Governo usa Covid para ter mais poder e castrar transparência, diz jurista

Andressa Anholete/Getty Images
Imagem: Andressa Anholete/Getty Images

Colunista do UOL

24/03/2020 12h10

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"Não é possível permitir que se coloque mais poder nas mãos de um autoritário." A avaliação é de Eloisa Machado, advogada constitucionalista, professora da FGV Direito SP e coordenadora do centro de pesquisa Supremo em Pauta. Ela conversou com a coluna sobre ações que vem sendo tomadas pelo governo Jair Bolsonaro após deflagrada a crise causada pelo coronavírus que podem resultar na concentração de poder nas mão do presidente. Dá como exemplos a extensão das Medidas Provisórias e a suspensão da efetividade da Lei de Acesso à Informação.

A Advocacia-Geral da União (AGU) pediu ao Supremo Tribunal Federal a suspensão do prazo de validade das MPs. Editadas pelo presidente da República, elas são leis que passam a valer assim que publicadas mas, se não aprovadas pelos Congresso Nacional em 120 dias, perdem a validade.

O governo quer estender o prazo para que decisões de Bolsonaro continuem valendo sem aval de deputados e senadores. A justificativa é que a crise não pode fazer com que medidas importantes percam a efetividade sem chance de apreciação.

"A ação é oportunista e, podemos dizer, golpista. As medidas provisórias já são um instrumento excepcional conferido ao presidente, para, em casos de urgência e relevância, editar medidas com força d­­e lei, sob controle do Congresso. Mas não é um poder ilimitado", explica.

Nesta segunda (23), na MP que revogou a proposta de suspender salários de trabalhadores por quatro meses, Bolsonaro decidiu suspender o atendimento a pedidos via Lei de Acesso à Informação (LAI), informando que o envio de servidores para quarentena ou home office impossibilita o cumprimento de pedidos.

"Há um razoável consenso que é hora de proteção social e trabalhista e transparência, mas o presidente age em sentido contrário. Mais poder ao Poder Executivo criará um caos ainda maior", afirma Machado. Para ela, a decisão sobre a LAI foi tomada "talvez para esconder provas de sua incompetência".

Eloísa Machado foi uma das responsáveis por pedir ao STF a revisão do Teto dos Gastos devido à crise e a extensão de um habeas corpus coletivo para que mulheres presas em situação de risco possam ir para a prisão domiciliar por causado do coronavírus. As demandas ensejaram cobranças por parte da ministra Rosa Weber e do ministro Ricardo Lewandowski ao governo federal.

A AGU pediu ao STF para suspende­r o prazo de validade das Medidas Provisórias, primeiro em 30 dias, mas com possibilidade de ampliar caso a crise causada pelo coronavírus continue. Quais os riscos disso para o país?

Essa ação é um absurdo. O Congresso Nacional não está fechado e está atuando. A ação é oportunista e, podemos dizer, golpista. As medidas provisórias já são um instrumento excepcional conferido ao presidente, para, em casos de urgência e relevância, editar medidas com força d­­e lei, sob controle do Congresso. Mas não é um poder ilimitado: deputados e senadores podem aprovar, alterar, rejeitar ou fazer com que as medidas percam a eficácia não votando. A previsão de que uma medida provisória perca a eficácia se não for apreciada é importante para que o Congresso não fique refém da agenda do Executivo, sendo obrigado a paralisar suas medidas para apreciar só medidas provisórias.

A verdade é que Bolsonaro não tem articulação nenhuma com o Congresso, foi vetado em várias medidas provisórias - a maior parte notadamente inconstitucionais - e agora quer, aproveitando-se de uma emergência, agir sem qualquer controle. Vindo de um Presidente sem qualquer compromisso com a Constituição, autoritário e disfuncional, isso é um perigo enorme. Afinal, a experiência com o governo tem mostrado que o presidente quer destruir a Constituição e tem uma agenda clara de desprezo pelas instituições democráticas. Não é possível permitir que se coloque mais poder nas mãos de um autoritário.

Bolsonaro tem baixado decretos em temas polêmicos, como a ampliação do porte de armas. Agora, também publicou em uma MP a suspensão da transparência no acesso à informação pública durante a crise. Quais as consequências disso?

No caso de armas, foram sucessivos decretos, confusos e ilegais, editados seguidamente. Essa parece ser, inclusive, uma estratégia do governo para dificultar o controle. O mais recente exemplo se deu na medida provisória que trazia a suspensão dos contratos de trabalho por quatro meses, alterada em menos de 24 horas e com o acréscimo de restringir, castrar o acesso a informações, talvez para esconder provas de sua incompetência. Há um razoável consenso que é hora de proteção social e trabalhista e transparência, mas o presidente age em sentido contrário. Mais poder ao Poder Executivo criará um caos ainda maior.

Congresso e Supremo vão conseguir impor freios e contrapesos ao Poder Executivo neste momento de crise?

Com pretensões inconstitucionais e absoluta incapacidade de articular politicamente com o Congresso Nacional, o presidente Bolsonaro tem abusado de seu poder de emitir decretos e medidas provisórias. Muitos destes decretos estão sendo questionados no Supremo e outros foram derrubados pelo Congresso, assim como algumas de suas medidas provisórias. Agora, de forma absolutamente inconstitucional e oportunista, quer se livrar dos controles, justamente agora que se vê isolado diante do escancaramento de sua enorme incompetência.

O Congresso tem colocado freios às tentativas de abuso de poder do presidente Bolsonaro e o Supremo, ainda que timidamente, tem se manifestado contra arroubos autoritários dirigidos contra minorias. Não á toa, o discurso do presidente é contra Congresso e STF, desde o primeiro dia de governo.