Fãs de Bolsonaro encaram vídeo de reunião como live versão premium
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"Puta que o pariu! O Weintraub pode ter falado a maior merda do mundo, mas racista? Vamos ter que reagir pessoal." Grupos bolsonaristas já estão recortando trechos do vídeo da reunião ministerial do dia 22 de abril, liberado na tarde desta sexta (22), pelo ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, e os divulgando nas redes sociais e no WhatsApp.
Para uma parcela dos fãs e seguidores do presidente da República, seus xingamentos ali presentes e suas promessas, como armar a população contra o que ele chama de ditadura, soaram como música.
Também foram bem recebidas junto a esse público as declarações do ministro da Educação, Abraham Weintraub ("Eu por mim colocava esses vagabundos todos na cadeia, começando pelo STF") e da ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves: "governadores e prefeitos responderão processos e nós vamos pedir inclusive a prisão de governadores e prefeitos".
Esses seguidores e fãs viram a reunião de cerca de duas horas como uma versão premium da live que o presidente realiza às noites de quinta. Sentiram-se representados. Acreditam estarem em uma batalha contra o "politicamente correto" e defendem o seu direito de não permanecer em quarentena por conta da "gripezinha". Sem contar, a liberdade de ter uma pistola.
Um naco do mercado também festejou a fala do ministro da Economia, Paulo Guedes: "tem que vender essa porra logo", como mostram grupos de WhatsApp de investidores. A "porra" no caso era o Banco do Brasil.
E uma parcela do agronegócio e do extrativismo considerou o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, um estrategista por sugerir aproveitar a pandemia para remover regras que balizam meio ambiente, a agricultura e preservação do patrimônio histórico: "nós temos a possibilidade, nesse momento em que a atenção da imprensa tá voltada quase que exclusivamente pro covid (...), de ir passando a boiada e mudando o regramento".
"E deixar a AGU [Advocacia Geral da União] de stand by pra cada pau que tiver", completou.
O vídeo tem potencial para acirrar a crise institucional não apenas com o Supremo Tribunal Federal, mas com os governadores de São Paulo e do Rio - que foram chamados por Bolsonaro de "bosta" e "estrume", respectivamente.
Já gerou ojeriza a determinadas parcelas da população que costumavam apoiar o presidente, mas diante de seu negacionismo durante a pandemia, torceram o nariz. E produziu, claro, revolta em quem já avaliava seu governo como ruim ou péssimo.
Sem contar que pode ser usado no relatório final de Augusto Aras, sobre a investigação de interferência política na Polícia Federal por parte de Bolsonaro, caso Aras resolva agir como procurador-geral da República e não como alguém que espera ser indicado ao STF. O ex-ministro Sergio Moro, que fez a acusação que levou a esse vídeo, recebeu uma série de estocadas do presidente durante a reunião. Seja porque aparecia mais que ele na mídia, seja por não fazer o necessário para usar a Polícia Federal para proteger a família e os amigos do presidente.
Mas também alimentará e fortalecerá seus seguidores. Em pronunciamentos de rádio e TV, Bolsonaro já se dirigia sistematicamente a eles, como forma de garantir proteção ao seu mandato. A transformação desse conteúdo em material de guerra política de forma tão rápida mostra que haverá disputa de narrativa.
Enquanto contar com bolsonaristas fieis, a popularidade do presidente não cairá a ponto de criar um incômodo para os deputados do centrão que negociam cargos em troca de votos. Não vai cometer um "autogolpe", mas também dificilmente sofrerá impeachment enquanto sua aprovação se mantiver onde está - o último Datafolha apontou 36% de bom e ótimo.
Em entrevista à rádio Jovem Pan, após a divulgação do vídeo, Bolsonaro afirmou: "É uma reunião em que eu posso falar com coração o que eu sinto. Tem palavrão? Tem. Lamento, quem não quiser, que vote em um engomadinho no futuro, que não fala palavrão mas mete a mão no bolso de todo mundo". Para ele, o mundo se divide entre os bizarros e os corruptos.
O problema não são os palavrões, mas os ataques às instituições, as estratégias para redução de direitos, o preconceito contra grupos sociais e o crime de interferir na Polícia Federal para defender familiares e amigos. Tudo presente no vídeo.
Mas isso não importa aos seguidores fieis do presidente. Pelo contrário, como disse um deles em uma mensagem em rede social: "pelo tanto que nosso presidente e seus filhos fazem pelo país, a polícia tem mesmo é que fazer tudo o que ele precisar".
Não é possível saber se essa frase foi postada por um seguidor ou alguém contratado para parecer que é. Mas, sinceramente, isso faz diferença?