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Reunião de Bolsonaro teve Moro escanteado e alvo de indiretas de presidente

Marcos Sergio Silva

Do UOL, em São Paulo

22/05/2020 18h48Atualizada em 23/05/2020 01h16

A reunião ministerial do dia 22 de abril, que teve o sigilo retirado hoje pelo ministro Celso de Mello, do STF, relator de inquérito que apura suposta interferência presidencial na Polícia Federal, mostrou um Sergio Moro acuado e atacado —algumas vezes diretamente, outras de forma velada— pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

O ex-ministro da Justiça havia dito que o acesso ao vídeo da reunião ministerial confirmaria seu depoimento à Polícia Federal, no qual acusou o presidente de tentar interferir em investigações conduzidas pela corporação.

O acesso ao vídeo da reunião ministerial do dia 22/4 confirma o conteúdo do meu depoimento em relação à interferência na Polícia Federal,motivo pelo qual deixei o governo.Defendo,respeitosamente, a divulgação do vídeo,de preferência na íntegra,para que os fatos sejam confirmados.

-- Sergio Moro (@SF_Moro) May 13, 2020

A reunião mostra trechos em que o presidente diz querer trocar membros da "segurança", depois de citar a falta de informações vindas da PF, dando a entender que poderia se referir à sua proteção pessoal e de sua família, mas, em seguida, acrescentou que não esperaria para ver amigos se prejudicarem de alguma forma.

Bolsonaro reclamou de o Ministério da Justiça e a Polícia Federal não o informarem da maneira como gostaria.

O mandatário disse que alguns ministros não estariam apoiando suas orientações claramente, capitalizando ganhos pessoais e culpando o presidente por eventuais erros de condução. Citou aliados de primeira hora de Moro, como Álvaro Dias, e parte da imprensa —como o site "O Antagonista"— mais alinhada ao ex-juiz federal.

Também atacou os que se posicionam contra o armamento da população —Moro havia indicado para uma das vagas de suplente no Conselho de Política Criminal a cientista política Ilona Szabó, antiarmamentista que foi vetada por Bolsonaro.

Moro teve apenas uma fala, interrompida três vezes, durante a reunião. Sua atuação foi tímida —elogiou o plano Pró-Brasil, do ministro da Casa Civil, Braga Netto, e os feitos da Justiça e da Segurança Pública.

Leia os trechos (leia aqui a íntegra da reunião):

"Vou interferir em todos os ministérios"

Eu não vou esperar o barco começar a afundar pra tirar água. Estou tirando água, e vou continuar tirando água de todos os ministérios no tocante a isso. A pessoa tem que entender. Se não quer entender, paciência, pô! E eu tenho o poder e vou interferir em todos os ministérios, sem exceção. Nos bancos eu falo com o Paulo Guedes, se tiver que interferir. Nunca tive problema com ele, zero problema com Paulo Guedes. Agora os demais, vou! Eu não posso ser surpreendido com notícias. Pô, eu tenho a PF que não me dá informações."

O trecho é o citado por Moro como o pedido de interferência do presidente na Polícia Federal. Bolsonaro, a seguir, cita ações contra a sua família —seu filho, o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), é alvo de inquérito no Rio.

Mas é a putaria o tempo todo pra me atingir, mexendo com a minha família. Já tentei trocar gente da segurança nossa no Rio de Janeiro, oficialmente, e não consegui! E isso acabou. Eu não vou esperar foder a minha família toda, de sacanagem, ou amigos meu, porque eu não posso trocar alguém da segurança na ponta da linha que pertence a estrutura nossa. Vai trocar! Se não puder trocar, troca o chefe dele! Não pode trocar o chefe dele? Troca o ministro! E ponto final! Não estamos aqui pra brincadeira.

"Tira a cabeça da toca"

Tem que se preocupar com a questão política, e a quem de direito, tira a cabeça da toca, porra! Não é só ficar dentro da toca o tempo todo não! 'Tô bem, eu tô cuidando da minha imagem, a imagem tá aqui, eu sou bonitinho, e o resto que se exploda'. Não! Tem que fazer a sua parte."

Havia uma irritação de Bolsonaro com a preservação de imagem de Sergio Moro. O presidente não o via comprometido com o governo.

Muita gente que fala muito melhor do que eu, e tem um conhecimento muito melhor do que eu, tem que falar, pô! Discretamente, mas tem que falar, pra não deixar subir a temperatura, porque é só porrada o tempo todo em cima de mim.

"Alfinetadas"

Não é 'tá bom?', o ministério fatura; 'deu merda?' no colo do presidente. Não pode ser assim. Hoje eu vi o Magno Malta me defendendo. O Magno Malta, desculpa aí, foi tratado lá atrás para ser vice. Depois ele resolveu não ser, tudo bem. Depois foi ser tratado para ser ministro, tudo bem. Agora, politicamente, ele nunca me deu uma alfinetada."

Moro não havia apoiado a posição de Bolsonaro por priorizar a economia em meio à pandemia e por um isolamento vertical, com grupos etários e de riscos, contra a Covid-19.

Também não se manifestou na troca de comando no Ministério da Saúde, na saída de Luiz Henrique Mandetta (DEM-MS), embora, internamente, apoiasse o ex-titular da pasta.

Logo depois, Bolsonaro é direto ao atacar o Ministério da Justiça sobre prisões por descumprimento de quarentena em alguns municípios.

Tem que a Justiça se posicionar sobre isso, porra! Tem que se posicionar sobre isso, abertamente! Não admitimos prisão por parte de prefeitos, e o decreto! Tem que falar, não é ficar quieto. E quem de direito aqui, e todos os ministros tem que falar isso aí, não é só a Justiça.

Espera aí! Ministro da Justi ... senhor ministro da Justiça, por favor. Foi decidido há pouco tempo que não podia botar algema em quase ninguém. Por que tão botando algema, em cidadão que tá trabalhando, ou mulher que tá em praça pública, e a Justiça não fala nada? Tem que falar, pô! Vai ficar quieto até quando? Ou eu tenho que continuar me expondo? Tem que falar, botar pra fora, esculachar! Não pode botar algema! Decisão do próprio Supremo. E vamos ficar quieto até quando?

Armamento e aliados

Olha como é fácil impor uma ditadura no Brasil. Como é fácil. O povo tá dentro de casa. Por isso que eu quero, ministro da Justiça e ministro da Defesa, que o povo se arme! Que é a garantia que não vai ter um filho da puta aparecer pra impor uma ditadura aqui! Que é fácil impor uma ditadura! Facílimo! Um bosta de um prefeito faz uma bosta de um decreto, algema, e deixa todo mundo dentro de casa. Se tivesse armado, ia pra rua. E se eu fosse ditador, né?

Aqui, Bolsonaro volta a criticar a detenção de pessoas que desrespeitaram a quarentena. A defesa de uma população armada contrasta com a indicação da cientista política Ilona Szabó como suplente do Conselho de Política Criminal, vetada pelo governo em março do ano passado.

Aí, que é a demonstração nossa, eu peço ao Fernando e ao Moro que, por favor, assine essa portaria hoje e que eu quero dar um puta de um recado pra esses bosta! Por que que eu tô armando o povo? Porque eu não quero uma ditadura! E não dá pra segurar mais! Não é? Não dá pra segurar mais. É. Quem não aceitar a minha, as minhas bandeiras, Damares: família, Deus, Brasil, armamento, liberdade de expressão, livre mercado. Quem não aceitar isso, está no governo errado. Esperem pra vinte e dois, né? O seu Álvaro Dias. Espere o Alckmin. Espere o Haddad. Ou talvez o Lula, né? E vai ser feliz com eles, pô! No meu governo tá errado! É escancarar a questão do armamento aqui.

Ao falar diretamente para Moro, ele cita o senador Álvaro Dias (Podemos-PR), que é baseado na cidade de origem do ex-ministro (Maringá) e sempre o defendeu —inclusive sua candidatura em 2022 à Presidência. Ele se referia ao decreto, publicado no dia seguinte, que aumentava o limite de compra de munição para quem tinha arma registrada.

Bolsonaro ainda ironiza Moro, ao citar Lula, condenado em primeira instância pelo próprio Moro, quando era juiz, na Lava Jato. Em seguida, cita elogios a ministros, sem especificar quais, em veículos de comunicação.

Eu quero todo mundo armado! Que povo armado jamais será escravizado. E que cada um faça, exerça o teu papel. Se exponha. Aqui eu já falei: perde o ministério quem for elogiado pela Folha ou pelo Globo! Pelo Antagonista! Né? Então tem certos blogs aí que só tem notícia boa de ministro. Eu não sei como! O presidente leva porrada, mas o ministro é elogiado. A gente vê por aí. "O ministério tá indo bem, apesar do presidente.". Vai pra puta que o pariu, porra! Eu que escalei o time, porra!

Moro apagado

O ex-ministro aparece apenas uma vez na reunião —e de maneira tímida. Ele é interrompido em parte das explanações pelo general Braga Netto. Na primeira frase, ele elogia o plano Pró-Brasil, do Ministro da Casa Civil, pedindo que projetos de segurança pública e combate à corrupção sejam incluídos no projeto:

Fica aqui o registro do meu elogio. Certo que ele tem que ser preenchido ai nos detalhes, existem as questões econômicas a serem resolvidas lá pelo Ministério da Economia, a ser trabalhado também com as outras áreas econômicas. É ... só faria uma sugestão aqui, ministro, se pudesse colocar desde logo em algum momento desse plano, alguma referência importante também a ... a segurança pública e ... a controle da corrupção. Foram dois temas centrais, né? Nas últimas eleições. E são dois temas que, embora, é claro, que o plano vai ficar sujeito aí ao .. . ao detalhamento necessário, mas acho que é importante ter uma referência inicial para não parecer que nós estamos descurando desses aspectos específicos.

Ele é interrompido por Braga Netto, que disse que as observações viriam no detalhamento da Casa Civil. Tenta retomar, mas é atropelado novamente —e também na sequência, pelo mesmo ministro. Enfim, consegue retomar o raciocínio, novamente ressaltando méritos da pasta:

Tem que apontar também que ... o foi uma vitória do governo, do presidente, ano passado houve uma queda expressiva desses principais indicadores criminais. Isso embora seja mais vinculado com a questão da vida e segurança das pessoas, também é um fator importante aí pro investimento econômico, pra atrair, melhorar o ambiente econômico. 30 ~ A forma eletrônica deste documento contém assinatura digital que garante sua autenticidade, integridade e validade juridica, nos termos da Medida Provisória nº 2.200-2. de 24 de agosto de M 200 1. E o controle da corrupção também é pressuposto, né? Então faria, aí a ... exclusivamente essa sugestão específica.

Bolsonaro não fez nenhuma observação, ao contrário do que aconteceu com a maioria dos outros ministros que estavam na reunião.

Reunião de polêmicas

Além das declarações de Bolsonaro, a reunião teve manifestações polêmicas de ministros do primeiro escalão. O chefe da Educação, Abraham Weintraub, afirmou que, por ele, colocaria "vagabundos na cadeia, começando pelo STF".

A ministra da Mulher, da Família, dos Direitos Humanos, Damares Alves, disse defendeu a prisão de prefeitos e governadores que tomaram medidas mais rígidas de isolamento contra o coronavírus.

Ricardo Salles, ministro do Meio Ambiente, sugeriu que o governo aproveitasse o foco da imprensa na cobertura da pandemia para aprovar reformas "infralegais". Para o ministro, essa seria a hora de "passar a boiada" e simplificar normas "de baciada".

Durante a reunião, Bolsonaro chamou de "bosta" o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), e de "estrume" o do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC). "O que esses caras fizeram com o vírus, esse bosta desse governador de São Paulo, esse estrume do Rio de Janeiro, entre outros, é exatamente isso. Aproveitaram o vírus."