Bolsonaro tacha críticos de "terroristas", mas ignora atos violentos de fãs
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Jair Bolsonaro tachou de terroristas manifestações contra o seu governo e pela democracia que foram conduzidas por grupos antifascistas em cidades como São Paulo, Rio e Curitiba nos últimos dias. Contudo, não reservou o mesmo "elogio" para atos a seu favor e contra a democracia, em que houve agressão de jornalistas. O que nos leva a crer que é uma questão de pauta, não de prática. Para o presidente da República, "terroristas" são todos aqueles que vão às ruas contra o seu governo.
"Começou aqui com os antifas em campo. O motivo, no meu entender, político, diferente [dos protestos nos EUA]. São marginais, no meu entender, terroristas. Têm ameaçado, domingo, fazer movimentos pelo Brasil, em especial, aqui no DF", disse na noite desta terça (2).
E comparou novamente o país com o Chile para justificar uma possível reação dura por parte de seu governo - o que pode envolver um estado de sítio ou coisa pior.
"Não podemos deixar que o Brasil se transforme no que foi há pouco tempo o Chile. Não podemos admitir isso daí. Isso não é democracia nem liberdade de expressão. Isso, no meu entender, é terrorismo. A gente espera que este movimento não cresça, porque o que a gente menos quer é entrar em confronto com quem quer que seja", disse Bolsonaro.
No dia 31 de outubro do ano passado, um de seus filhos, o deputado federal Eduardo Bolsonaro, foi duramente criticado por afirmar que uma saída para o Brasil, caso houvesse manifestações como no Chile, seria dar ao Executivo o poder de fechar o Congresso, cassar direitos e usar violência contra opositores. Ou seja, criar um novo Ato Institucional número 5, que inaugurou a fase mais sombria da ditadura militar.
"Se a esquerda radicalizar", o governo terá que dar "uma resposta que pode ser via um novo AI-5", afirmou. Agora quem insinua seguir o caminho traçado pelo do filho é Jair.
Mas o presidente não chamou de terroristas as manifestações estacionadas na porta do Palácio do Planalto que atacavam a Constituição, pedindo o fechamento do Congresso Nacional, a prisão de membros do Supremo Tribunal Federal, um golpe militar e um novo AI-5.
Muito menos quando jornalistas foram agredidos fisicamente por seus seguidores nesses protestos. Por exemplo, no dia 3 de maio, uma turba de seus fãs chutou e esmurrou o fotógrafo Dida Sampaio e atacou o motorista Marcos Pereira, ambos do jornal O Estado de S.Paulo. Outros profissionais de imprensa também foram agredidos e xingados.
Posteriormente, ele recriminou a agressão, dizendo que ela foi obra de "algum maluco" que poderia estar "infiltrado". E chamou a manifestação de "manifestação espontânea da democracia". Ou seja, afastou o fato de que a agressão era a consequência óbvia de um protesto que insuflava ódio contra s jornalistas e instituições.
Enquanto isso acontecia, da rampa do Palácio do Planalto, o ocupante da Presidência da República sorria e acenava para o pequeno protesto que também exigia o fim das medidas de isolamento social contra o coronavírus. Detalhe: naquele domingo, celebrava-se o Dia Mundial da Liberdade de Imprensa.
Um grupo de enfermeiros já havia sido agredido, dois dias antes, por outros fãs do presidente. A razão: defendiam a manutenção de quarentenas para reduzir o ritmo de contágio da pandemia. Sim, em 2020, profissionais que estão enfrentando a covid-19 são atacados na rua por pedirem ciência no lugar do obscurantismo.
Parte da militância bolsonarista age como milícia, não apenas nas redes sociais, mas também na vida offline. Atua para silenciar e punir aqueles que criam embaraços ao seu líder ou que questionam as ideias que ele sustenta. E "terrorista" e "marginal" é quem exige que essas milícias parem de agir e que o presidente se comporte à altura do cargo que ocupa e em respeito à Constituição?
Parece piada, mas é método. Ele apostou que dezenas de milhares de mortes por covid-19 chocam menos do que milhões de desempregados e exige que todos voltem imediatamente à vida normal. Se sua tática der certo, a economia retoma (capenga) e pessoas morrem. Se der errado, e chegarmos a uma convulsão social, ele lucra com a possibilidade de golpear as instituições democráticas e fazer o que bem entender usando a justificativa do tumulto. Um país para moldar à sua imagem e semelhança é seu antigo sonho de consumo.
Além do cinismo e da incoerência, o que irrita é a falta de criatividade em tudo isso. O presidente não consegue nem ser inédito em seus rompantes.
Os Estados Unidos têm assistido a protestos em grandes cidades após George Floyd, um homem negro de 46 anos, ser asfixiado e morto por um policial branco em Minneapolis. Temendo por uma escalada de insatisfação a poucos meses das eleições, Donald Trump postou, neste domingo (31), que designaria o antifascismo, um posicionamento ideológico, como uma "organização terrorista".
Bolsonaro, que vê no norte-americano um ídolo pessoal, prontamente compartilhou a publicação relacionando-a aos protestos em nome da democracia e contra o seu governo por parte de grupos contrários ao fascismo.
Nesta segunda (1), Trump prometeu usar usar força federal contra os manifestantes nas ruas. Isso teve o efeito contrário ao desejado e trouxe mais gente para protestar contra a violência por parte do Estado. Pesquisa Reuters/Ipsos apontou que 64% dos norte-americanos são simpáticos aos manifestantes.
E, novamente, após as ameaças de Trump, Bolsonaro copia o seu líder.
A ameaça só agrava a situação no Brasil e nos Estados Unidos. Por lá, ainda há (por enquanto) uma eleição para a Presidência no final do ano, o que pode confirmar ou retirar Trump. Por aqui, são mais dois anos e meio. A questão é se a democracia aguenta tanto socos. Se as instituições não reagirem mais firmemente, Bolsonaro vai acabar vencendo-a por pontos. Ou derrubando-a por nocaute.