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Leonardo Sakamoto

Governo aproveita a covid para ressuscitar defesa de "direitos ou empregos"

O presidente Jair Bolsonaro cumprimenta apoiadores diante da bandeira dos Estados Unidos - Andre Borges/NurPhoto via Getty Images
O presidente Jair Bolsonaro cumprimenta apoiadores diante da bandeira dos Estados Unidos Imagem: Andre Borges/NurPhoto via Getty Images

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Colunista do UOL

09/07/2020 12h20

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Em naufrágios, os mais vulneráveis normalmente deveriam ser considerados prioridade na distribuição de coletes e botes salva-vidas. Na vida real, contudo, quase sempre o que vale é a vontade do mais forte. Essa é a lógica adotada por aqui em graves momentos de crise: os mais pobres ajudam os mais ricos a entrarem nos botes e depois são deixados à deriva. Ou pior: são obrigados a empurrar os botes nadando.

Pelas declarações do governo Bolsonaro em defesa da redução de proteções trabalhistas para impulsionar a economia, o Brasil pós-coronavírus seguirá novamente o mesmo caminho. O ministro Paulo Guedes tem defendido implementar de alguma forma uma das promessas de campanha do presidente, a carteira Verde e Amarela, reduzindo custos para permitir contratações, e especialistas convidados pelo governo já estão discutindo novas mudanças na legislação trabalhista.

O problema é que isso significa reduzir qualidade de vida de quem já opera no limite. Mas, como disse o próprio presidente um rosário de vezes, "o trabalhador vai ter que decidir se quer menos direitos e emprego, ou todos os direitos e desemprego", mostrando que não sabe operar de outra forma.

A edição de sucessivas Medidas Provisórias sobre a questão trabalhista é vista por parte dos especialistas como uma anormalidade legislativa, não justificada nem pelo momento de crise em que vivemos. Surgiram aberrações, como a possibilidade de um trabalhador de baixa renda negociar individualmente a redução de seu salário com o patrão durante a crise sem a participação de um sindicato - medida que foi chancelada pelo Supremo Tribunal Federal.

"Tenho muita desconfiança do discurso de que os direitos trabalhistas geram um encargo insuportável para a atividade empresarial", afirma Lélio Bentes, ministro do Tribunal Superior do Trabalho e membro da Comissão de Peritos e Aplicação de Normas da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ao avaliar à coluna os discursos que defendem a retomada com base na redução de proteções.

Para ele, o que leva a uma situação de dificuldade é má gestão, eventos macroeconômicos e situações específicas, como uma safra ruim. "Eu não conheço empresa que tenha quebrado por ter respeitado os direitos do trabalhador."

A questão não é só a dignidade dos trabalhadores

"O presidente Bolsonaro deu passos significativos para trás em relação às proteções para trabalhadores no Brasil. Em seu primeiro dia no cargo, eliminou o Ministério do Trabalho, delegando muitas de suas funções aos Ministérios da Economia e da Justiça. Bolsonaro continua ameaçando enfraquecer os direitos trabalhistas para aumentar a criação de empregos. Mais recentemente, Bolsonaro foi forçado a desistir de um decreto que permitiria que as empresas suspendessem pagamentos a trabalhadores durante a pandemia."

A declaração não foi dada por uma lulo-comuno-feminazi-gayzista, para usar uma das expressões cheias de charme recorrentes entre apoiadores do presidente da República, mas está em uma carta enviada por 24 deputados da Comissão de Orçamento e Tributos do Congresso norte-americano ao representante do Comércio do governo Donald Trump, Robert Lighthizer no mês passado. Na época de sua divulgação, houve atenção para as críticas ambientais, mas não para as trabalhistas - que esbarram nos planos de Paulo Guedes para a retomada da economia.

Se depender da vontade dos democratas, o Brasil não avançará em acordos e parcerias comerciais com os Estados Unidos. "Além desses recentes retrocessos nas questões trabalhistas, o Brasil ainda enfrenta profundas dificuldades em erradicar condições análogas às de trabalho, que continuam sendo um problema significativo", também diz o documento.

"Esse tipo de desrespeito ativo pelos direitos básicos dos trabalhadores e pelas normas trabalhistas deve desqualificar o Brasil de ser considerado um parceiro apropriado para uma parceria econômica mais estreita, muito menos um acordo de liberalização comercial que comprometerá a competitividade, os salários e os direitos dos EUA trabalhadores."

Para além da pressão de cidadãos conscientes em outros países, o Brasil também desperta a ira de setores econômicos em países concorrentes por ser um importante produtor de alimentos e commodities. A questão de barreiras a mercadorias brasileiras é menor que o risco real de desinvestimento usando como argumento o desrespeito aos direitos humanos ou agressões ao meio ambiente. O interesse é, na verdade, protecionista? Nem sempre. Mas, infelizmente, damos subsídios para isso devido a uma parte da produção insistir em agir de forma predatória.

Poderíamos ter apenas bons exemplos, preferimos ostentar ficha corrida.

Não é apenas a questão ambiental, com o salto no desmatamento e nas queimadas na Amazônia - que levará à perda de clientes e investidores, como esta coluna alerta há anos. A fragilização do combate ao trabalho escravo e a redução de proteções trabalhistas também causam dores de cabeça. Pois, essas ações são vistas como "dumping social" - para citar o termo usado pelo próprio Donald Trump ao se referir a esse tipo de prática.

O governo deveria aproveitar dialogar com representações de trabalhadores da mesma forma com que conversa com a de empregadores, de forma a aprofundar o diálogo.

Nesse sentido, é salutar a reunião dos presidentes da CUT, Força Sindical, UGT, CSB e NCST com os secretários de Previdência e Trabalho, Bruno Bianco, e do Trabalho, Bruno Dalcolmo, nesta quarta (8). Nela, foi entregue documento elaborado pelo Fórum das Centrais Sindicais.

Entre as propostas, a manutenção do auxílio emergencial (que paga entre R$ 600 e R$ 1200) até dezembro, a concessão de crédito a pequenas e micro empresas a fundo perdido, desde que mantenham empregos, além de sugestões para a retomada da economia. Os representantes do Ministério da Economia se comprometeram a avaliar os pontos e continuar o diálogo com as centrais sindicais.

Paulo Guedes acerta ao trazer a discussão da taxação de dividendos recebidos de empresas, que faz com que os super-ricos paguem, proporcionalmente, menos imposto que a classe média. Deveria insistir em outras medidas que aumentem a progressividade tributária após a crise e abandonar a redução de proteções. Já passou da hora do Brasil deixar de ser um Robin Hood bizarro, que rouba dos pobres para proteger os ricos.

O governo não precisa fazer isso pelo bem da vida da população. Pode fazer por preocupação com investimentos e o comércio exterior que o resultado será o mesmo.