Ao negar vacina chinesa, Bolsonaro faz teatrinho para fãs à custa de vidas
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O teatrinho montado por Jair Bolsonaro para excitar seus fãs contra a vacina produzida pelo laboratório chinês Sinovac é cansativo de tão manjado. É difícil acreditar que o presidente não tinha conhecimento de negociações do ministro da Saúde para a aquisição de 46 milhões de doses do Estado de São Paulo, que fabricará o produto no Instituto Butantan em parceria com a empresa.
Se Eduardo Pazuello sabia que o chefe estava montando uma cama de gato a fim de usá-lo para surfar ideologicamente e politicamente, são outros quinhentos.
Afinal, Bolsonaro, que falou de "traição" ao responder a um fã sobre o anúncio do ministro, já demonstrou que coloca a lealdade a seus assessores abaixo da autopreservação de si e de seus filhos. Mesmo um, como Pazuello, que sempre passou pano para o negacionismo do presidente.
O duplo twist carpado acontece logo após evento em que o secretário de Estado de norte-americano, Mike Pompeo, recomendou ao Brasil limitar o comércio com a China.
Em meio a uma investida do Tio Sam para que Bolsonaro exclua a participação da chinesa Huawei na escolha do sistema de 5G.
E na reta final da campanha eleitoral dos Estados Unidos, quando Donald Trump precisa reforçar que conta com aliados em sua disputa contra o gigante asiático.
Esse ambiente ajudou a fermentar o preconceito da extrema direita brasileira contra a China, levando perfis reais e falsos a pressionarem Bolsonaro a não adquirir a vacina chinesa. Atendendo a "voz do seu povo", o presidente-ventríloquo disse "NÃO SERÁ COMPRADA". Tão canastrão quanto um Dia do Fico.
Depois, no Facebook, ligou a vacina produzida na China ao seu adversário, o governador de São Paulo João Doria, e afirmou que "qualquer vacina, antes de ser disponibilizada à população, deverá ser comprovada cientificamente pelo Ministério da Saúde e certificada pela Anvisa" e que "o povo brasileiro não será cobaia de ninguém".
Conversa para gado dormir. Qualquer vacina terá que passar pelo crivo da Anvisa. Além disso, seu governo comprou doses da vacina de Oxford sem certificação. Bolsonaro não quer é que seu concorrente em 2022 seja lembrado por ter escolhido a vacina que ficou pronta antes.
E que moral tem para falar de "cobaia" um ser humano que fazia propaganda de cloroquina, remédio com efeitos colaterais pesados e sem eficácia comprovada no tratamento da covid?
Entre a China e os Estados Unidos, o Brasil deveria preferir a independência que marcou sua política externa ao longo do século 20, sem abandonar o direito de criticar as graves violações de direitos humanos provocadas tanto por Pequim quanto por Washington.
E, no curso de uma pandemia assassina que matou quase 155 mil pessoas por aqui, o Brasil deveria colocar a ciência e a medicina acima dos interesses políticos e das bravatas ideológicas pensadas para reforçar a popularidade de um presidente que tem perdido moral com seguidores ao se refestelar com a fisiologia do Centrão.
Mas, neste governo, a lógica vale pouco. Tanto quanto a vida.
Em tempo: Diante da excitação pela nova "golden shower", fãs que se queixaram da indicação de Kassio Marques ao Supremo Tribunal Federal devem ter esquecido que ele está sendo sabatinado pelo Senado, nesta quarta (21).