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Leonardo Sakamoto

Com o dólar a R$ 6, patroas e patrões também não vão para a Disney

Mickey e Minnie na Walt Disney World - Divulgação Disney
Mickey e Minnie na Walt Disney World Imagem: Divulgação Disney

Colunista do UOL

28/10/2020 19h17

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O dólar chegou a R$ 6,08, o euro, R$ 7,06, e a libra R$ 7,97, em casas de câmbio, na tarde desta quarta (28), incluso o IOF (Imposto sobre Operações Financeiras).

Isso remete a uma declaração carregada de preconceito do ministro da Economia, Paulo Guedes, em 12 de fevereiro deste ano - um mês antes da primeira das quase 160 mil mortes por covid-19 no país.

"O câmbio não está nervoso, [o câmbio] mudou. Não tem negócio de câmbio a R$ 1,80. Todo mundo indo para a Disneylândia, empregada doméstica indo para Disneylândia, uma festa danada."

Ele ainda tentou corrigir, afirmando que, na sua opinião, "todo mundo tem que ir para a Disneylândia, conhecer Walt Disney, mas não três, quatro vezes por ano".

E sugeriu uma troca por atrações nacionais. "Vai aqui para Foz do Iguaçu, Chapada da Diamantina, conhece um pouco do Brasil, conhece a selva amazônica." Tem menos Amazônia para visitar por culpa do governo do qual faz parte, mas isso é outra história.

Agora, com o câmbio escalando, a recomendação serve também para outras classes sociais: viaje dentro do Brasil, talkey?

A maioria da classe média alta não sentiu o que o dólar, o euro e a libra nas alturas significa para as suas férias porque não está voando para os Estados Unidos e a Europa por conta das restrições impostas a quem esteve no Brasil por conta da pandemia.

Para além da pressão inflacionária e da falta de matéria-prima causada pelo câmbio alto, caso essas taxas não reduzam quando as viagens internacionais para os destinos preferidos desse grupo social voltarem a ser permitidas, vai rolar ranger de dente. Porque esse povo não vai ficar satisfeito com recorde de exportação de soja.

Vale lembrar que, durante governos petistas, quando a moeda americana fez cócegas nos pés de Deus e não havia pandemia, circularam imagens de crianças desoladas por não poderem abraçar o Mickey. Mesmo descontando altas doses de antipetismo puro, o mesmo deve voltar a acontecer.

De acordo com o Datafolha, do final de setembro, Jair Bolsonaro apontou, em São Paulo, 46% de ruim e péssimo e 29% de bom e ótimo. Contudo, a faixa de renda de mais de dez salários mínimos mensais estava mais satisfeita do que insatisfeita com o presidente na capital paulista: 43% de aprovação e 40% de reprovação.

Em comparação, 27% dos que ganham até dois salários mínimos aprovavam o governo e 44% o reprovavam.

Claro que um obstáculo financeiro que leva a férias frustradas não é, por si, capaz de derrubar a popularidade de Bolsonaro. Mas ajuda a engrossar o caldo de insatisfação de uma classe média que vai percebendo que o mundo não está mais ao seu alcance.

O alto patamar do dólar tem relação direta com a pandemia dentro e fora do país, mas também com a percepção de fragilidade de nossa economia e as crises políticas geradas pelo governo. Tendo como exemplo a proposta estapafúrdia de privatização de novas Unidades Básicas de Saúde em meio a uma pandemia assassina, temos um retrato de como essas crises poderiam ser evitadas se tivéssemos um governo de fato.

Para a parte esnobe da classe alta, contudo, haverá a felicidade de aeroportos vazios, sem que "pareçam uma rodoviária", como gosta de ruminar.