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Leonardo Sakamoto

Megaoperação de resgate de escravizados mostra diversidade do crime no país

Megaoperação flagra trabalho escravo indígena no Mato Grosso do Sul  - AFT
Megaoperação flagra trabalho escravo indígena no Mato Grosso do Sul Imagem: AFT

Colunista do UOL

30/01/2021 17h00

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Um dia antes de o país lembrar os 17 anos de impunidade da Chacina de Unaí, quando quatro servidores do então Ministério do Trabalho foram executados em uma fiscalização de rotina em Minas Gerais, uma ação simultânea em 23 unidades da federação resgatou 145 pessoas da escravidão contemporânea - número que ainda pode subir.

A "Operação Resgate", desencadeada na segunda (27), reuniu Polícia Federal, auditores fiscais do trabalho do Ministério da Economia, Ministério Público do Trabalho, Ministério Público Federal e Defensoria Pública da União. Minas Gerais foi o Estado com mais resgates, seguido de Goiás e do Mato Grosso do Sul.

Desde 1995, quando o Brasil reconheceu diante das Nações Unidas a persistência de trabalho escravo, quase 56 mil pessoas foram resgatadas por grupos de fiscalização com a participação dessas instituições. A diferença, desta vez, foi a realização de uma operação simultânea nas cinco regiões do país, tanto na área urbana quanto na rural, incluindo o serviço doméstico.

Cinco pessoas foram resgatadas em Pernambuco trabalhando em um parque de diversões.

No Mato Grosso do Sul, 25 trabalhadores indígenas Guarani Kaiowá que estavam em alojamentos precários atuavam na catação de pedras, raízes e ervas daninhas para limpeza da área para a soja. Dentre eles, quatro adolescentes entre 14 e 16 anos.

Entre os Estados da Paraíba e do Rio Grande do Norte, 11 foram encontrados no garimpo de caulim.

Duas empregadas trabalhadoras domésticas foram resgatadas no Rio de Janeiro, uma delas tendo permanecido 41 anos em cativeiro, sendo roubada até no auxílio emergencial - que era sacado e embolsado pelos patrões.

Em Minas Gerais, 28 pessoas, dos quais dois adolescentes, foram libertados em atividades como carvoaria, produção de cerâmica e lavoura de café.

Um trabalhador idoso no Paraná era explorado há mais de 15 anos.

Uma equipe em Goiás encontrou um homem trabalhando há, pelo menos, 15 anos tendo, como pagamento, apenas a moradia. Outra equipe no mesmo Estado libertou 24 pessoas de plantações de laranja. E sete foram resgatados por uma equipe de auditores do Distrito Federal em Cristalina (GO).

No Tocantins (16) e no Pará (3), trabalhadores foram encontrados em condições degradantes.

Dos sete resgatados no Rio Grande do Sul, dois eram pessoas com deficiência trabalhando na plantação de fumo.

Em São Paulo, 13 trabalhadores bolivianos foram libertados de uma oficina de costura. E ocorreu o resgate de duas pessoas no comércio da cidade litorânea de São Sebastião.

"A Operação Resgate replicou de forma inédita e simultânea em todo país a boa prática da ação interinstitucional do Grupo Especial de Fiscalização Móvel criado há 25 anos e coordenado pela Inspeção do Trabalho. Como prova do sucesso dessa operação, apenas em duas semanas, foram resgatados pelos auditores-fiscais do trabalho 15% do total de trabalhadores vítimas em 2020, mesmo com as dificuldades impostas pela pandemia", afirmou Maurício Krepsky, chefe da Divisão de Fiscalização para Erradicação do Trabalho Escravo (Detrae) da Secretaria de Inspeção do Trabalho.

"A operação revela a importância da atuação articulada das mais diversas instituições para o efetivo combate do trabalho escravo, com a responsabilização administrativa, trabalhista e criminal dos empregadores e a devida defesa das vítimas", afirma o procurador Italvar Medina, vice-coordenador de erradicação do trabalho escravo do Ministério Público do Trabalho.

"A operação também mostra o poder transformador dos direitos trabalhistas para a melhoria das condições de vida das pessoas, bem como a persistência do trabalho escravo, infelizmente, nas cinco regiões", afirma.

A reparação de direitos trabalhistas das vítimas alcançou quase meio milhão de reais.

'Beliche' precário usado por trabalhadores resgatados da escravidão em carvoaria em Minas Gerais - AFT - AFT
'Beliche' precário usado por trabalhadores resgatados da escravidão em carvoaria em Minas Gerais
Imagem: AFT

Em 2020, 942 trabalhadores libertados

Foram resgatados da escravidão contemporânea 942 trabalhadores em 2020, primeiro ano da pandemia de covid-19, de acordo com informações atualizadas, nesta quarta (27), pelo Painel de Informações e Estatísticas da Inspeção do Trabalho no Brasil, organizado pela Secretaria de Inspeção do Trabalho do Ministério da Economia.

Ao todo, foram 266 estabelecimentos fiscalizados, frente a 280 em 2019 (quando foram encontrados 1.130 trabalhadores nessas condições), 253 em 2018 (com 1.752), e 249 em 2017 (com 648). No total, essas equipes conseguiram garantir o pagamento de mais de R$ 3,06 milhões em salários e verbas rescisórias e formalizar o contrato de 1.278 pessoas.

O maior flagrante em número de trabalhadores em um só estabelecimento aconteceu no Distrito Federal, onde 78 trabalhadores estavam em condições análogas às de escravo em uma seita religiosa. Repete-se, dessa forma, o que aconteceu em 2019, quando 79 pessoas foram libertadas de outra seita no DF.

Minas Gerais foi o estado com o maior número de estabelecimentos fiscalizados em ações de combate à escravidão, seguido de Mato Grosso e São Paulo. E ficou em primeiro em número de flagrados em situação análoga à de escravo, com 351, como ocorre desde 2013 - seguido pelo Distrito Federal, com 78, e o Pará, com 76.

Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo

O 28 de janeiro foi escolhido como Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo por marcar o aniversário da Chacina de Unaí, quando os auditores fiscais do trabalho Erastóstenes de Almeida Gonçalves, João Batista Soares Lage e Nelson José da Silva e o motorista Ailton Pereira de Oliveira foram executados em uma fiscalização de rotina no Noroeste de Minas Gerais em 2004.

Os irmãos Antério e Norberto Mânica, grandes produtores de feijão, foram apontados como os mandantes do crime pela Polícia Federal. Em 2018, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região anulou o julgamento de Antério, ex-prefeito de Unaí, após seu irmão assumir ter sido o único mandante do crime. Um novo julgamento de Antério não tem data para ocorrer e Norberto recorre da sentença em liberdade, bem como dois intermediários.

Trabalho escravo contemporâneo no Brasil

A Lei Áurea aboliu a escravidão formal em maio de 1888, o que significou que o Estado brasileiro não mais reconhece que alguém seja dono de outra pessoa. Persistiram, contudo, situações que transformam pessoas em instrumentos descartáveis de trabalho, negando a elas sua liberdade e dignidade.

Desde a década de 1940, o Código Penal Brasileiro prevê a punição a esse crime. A essas formas dá-se o nome de trabalho escravo contemporâneo, escravidão contemporânea, condições análogas às de escravo.

De acordo com o artigo 149 do Código Penal, quatro elementos podem definir escravidão contemporânea por aqui: trabalho forçado (que envolve cerceamento do direito de ir e vir), servidão por dívida (um cativeiro atrelado a dívidas, muitas vezes fraudulentas), condições degradantes (trabalho que nega a dignidade humana, colocando em risco a saúde e a vida) ou jornada exaustiva (levar ao trabalhador ao completo esgotamento dado à intensidade da exploração, também colocando em risco sua saúde e vida).

Trabalhadores têm sido encontrados em fazendas de gado, soja, algodão, café, frutas, erva-mate, batatas, sisal, na derrubada de mata nativa, na produção de carvão para a siderurgia, na extração de caulim e de minérios, na construção civil, em oficinas de costura, em bordeis. A pecuária bovina é a principal atividade econômica flagrada com trabalho escravo desde 1995.