Topo

Leonardo Sakamoto

Eleição de Lira afasta impeachment, mas obriga Bolsonaro a dividir o poder

Bolsonaro cumprimenta Arthur Lira - Reprodução/Twitter
Bolsonaro cumprimenta Arthur Lira Imagem: Reprodução/Twitter

Colunista do UOL

02/02/2021 09h18

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

A incontestável vitória de Arthur Lira (PP-AL) para a Presidência da Câmara dos Deputados afasta a possibilidade de que um dos mais de 60 pedidos de impeachment de Jair Bolsonaro ou que uma CPI da Pandemia prosperem. Pelo menos, enquanto o presidente da República disser "sim, senhor" e "sim, senhora" aos seus mais de 300 novos sócios. E aceitar pagar para governar.

Em troca de relativa tranquilidade até o final do mandato e da construção de um bloco com forte entrada no Nordeste, o que ajuda a pavimentar a sua reeleição (Lira, de Alagoas, conseguiu até apoio de políticos da região que pertencem a partidos de esquerda), o presidente da República terá que dividir o poder.

O que significa, por exemplo, engolir palavras que já proferiu como "quem demite ministro sou eu". Na verdade, não mais. Ministérios com orçamentos, cargos e capacidade de gerar impacto nas bases de congressistas, como o da Saúde, da Cidadania e da Educação terão que, mais cedo ou mais tarde, serem entregues a indicados de seus novos sócios.

O contrato fisiológico estabelecido entre Congresso Nacional e Palácio do Planalto é muito mais um "aluguel" do que uma "compra", como escrevi aqui ontem. Tanto que, se os pagamentos cessarem, não há pudor em romper o contrato e despejar o inquilino. Uma boa sugestão, portanto, é que Jair deixe tudo no débito automático.

Sim, ele vai sim conseguir aprovar parte de sua agenda, avançando no desmonte da legislação ambiental e trabalhista, por exemplo. Como o seu desejo alinha-se com o de dezenas de deputados e senadores do centrão nesses dois temas, o custo dessas mudanças pode ser zero.

Mas quando quiser aprovar pautas polêmicas de costumes, Bolsonaro terá que desembolsar um extra para que deputados se indisponham com parte da opinião pública. Como no caso da redução da maioridade penal para 14 e 16 anos, que está tramitando em forma de proposta de emenda constitucional puxada pelo senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), e é uma das meninas dos olhos do bolsonarismo-raiz.

Esse grupo, que perfaz uns 16% da população, segundo o Datafolha, e pula no precipício se Jair mandar, terá que ser agraciado com ações como a redução da maioridade ou com o aprofundamento da liberação das armas para engolir o estelionato eleitoral cometido por seu líder ao alugar o centrão.

Depois de um rombo de R$ 743 bilhões, em 2020, e uma previsão de rombo de R$ 247 bilhões, em 2021, há limites do que o Poder Executivo pode fazer caso não imprima mais dinheiro. É bem provável que o governo Jair Bolsonaro copie, mais uma vez, o de Michel Temer, e inclua no pagamento desse aluguel a promessa de mudanças legais e infralegais que interessem a membros do centrão e seus patrocinadores.

Em 2017, proteções trabalhistas e temas de direitos humanos, que "atrapalhavam" o naco arcaico do agronegócio e da construção civil, foram rifados para que deputados salvassem o pescoço presidencial da segunda denúncia criminal apresentada pela Procuradoria-Geral da República.

Como Bolsonaro é focado na própria sobrevivência e na de seus filhos, como o denunciado senador Flávio Bolsonaro (primeiro a fazer um chamego no novo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, após seu discurso da vitória), ele pode aprender a engolir seco. Pode, não significa que vá.

Portanto, a pergunta é quanto tempo vai levar até que Jair resolva fazer uma demonstração de força para o Congresso ou feche a torneira.

A questão é que, do outro lado, o centrão também não tem interesse em matar um hospedeiro que tem conhecidas vulnerabilidades e, portanto, aceita mais facilmente ser comido vivo. Eles não sabem como seria a relação com o vice-presidente, general Hamilton Mourão, e com as Forças Armadas, uma vez que herdassem o cargo num eventual impeachment.

Pode parecer um jogo de ganha-ganha entre Planalto e centrão. Infelizmente, há um terceiro ator, a sociedade, que paga a conta. Através do dinheiro de emendas pagas no toma-lá-dá-cá, da perda de direitos trabalhistas e ambientais em negociatas do Executivo com o Legislativo, de vidas por conta de uma pandemia cuja má gestão dificilmente será alvo de investigação parlamentar.