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Leonardo Sakamoto

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Bolsonaro usa guerra contra CPI como cortina de fumaça para 355 mil mortos

Jair Bolsonaro e Rodrigo Pacheco, presidente do Senado - Mateus Bonomi/Agif - Agência de Fotografia/Estadão Conteúdo
Jair Bolsonaro e Rodrigo Pacheco, presidente do Senado Imagem: Mateus Bonomi/Agif - Agência de Fotografia/Estadão Conteúdo

Colunista do UOL

13/04/2021 10h35

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Pode ser que Bolsonaro não torne o limão uma limonada, como sugeriu seu teatral diálogo com o senador Jorge Kajuru, quando defendeu aproveitar a CPI do Senado para o impeachment de ministros do STF. Mas ele vai conseguindo transformar uma bomba em cortina de fumaça para encobrir o massacre de brasileiros que a comissão pretende investigar.

Enquanto senadores governistas se digladiam para evitar que Jair seja investigado pelas omissões e perversões que levaram o Brasil a se tornar, neste momento, o cemitério de covid-19 do mundo, o país registrou, nesta segunda (12), média diária de 3.125 mortes.

São 355 mil óbitos no total, com espaço para mais. As previsões mais duras da Universidade de Washington apontam que poderemos ter 654 mil cadáveres, ou seja quase 300 mil a mais, até 1º de agosto, se o país não tomar o rumo correto. E com o presidente atacando isolamento social e o uso de máscaras, estamos longe do rumo correto.

A prioridade, nesse cenário, deveria ser identificar e bloquear tudo o que esteja contribuindo para a morte de pessoas. Mas o consórcio governista, do qual os presidentes do Senado Federal, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), e da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), fazem parte, preferiu apostar em uma inútil comissão para distrair a imprensa e a sociedade civil.

A instalação de uma comissão que poderia ajudar a reduzir o número de mortes foi transformada em uma batalha. Governistas, mais preocupados com o bem-estar de Bolsonaro do que dos cidadãos que, em tese, representam, tentam reduzir o poder de investigação sobre a União, incluindo governadores e prefeitos no escopo.

Tudo isso já ganhou mais visibilidade que as mortes na pandemia. Como Bolsonaro queria.

O que reforça que ele não está sozinho, nunca esteve. Uma pandemia que mata 355 mil brasileiros não é fruto de um episódio de loucura de um genocida, mas um empreendimento coletivo. Se muitos não tivessem o que ganhar com isso, o morticínio cessaria.

Como já disse aqui, o presidente teve ajuda. De psicopatas, de oportunistas, de covardes, de pusilânimes, de pessoas que se preocupam apenas com sua felicidade, seus projetos e seu lucro enquanto uma montanha de mortos se ergue no horizonte.

Eles estão no Senado Federal, nos gabinetes de tribunais, nos corredores palacianos, usando farda ou terno, nos púlpitos de certos templos e altares de algumas igrejas, em confortáveis salas de operadores do mercado financeiro, em protestos a favor de vermífugos e de golpe militar.

Estamos vendo pessoas defendendo o seu quinhão de cascalho e de poder, enquanto 3.125 morrem por dia, em média. Trava-se a investigação contra as omissões e perversões do governo Bolsonaro durante a pandemia não só por uma parte do país se reconhecer nele, mas porque nele reconhece um bom negócio.

Enquanto isso, os mortos tornam-se coadjuvantes. Da mesma forma que milionária mansão do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) e as denúncias de desvios de recursos públicos dos gabinetes do clã também já foram escondida pela penumbra de outras polêmicas.

Como eu disse, 355 mil. Mas, com a ajuda de alguns senadores, pode haver espaço para mais, muito mais.