Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.
Sem repudiar cloroquina, Queiroga completa mês no cargo repetindo Pazuello
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Quando o general Eduardo Pazuello foi defenestrado do Ministério da Saúde, o presidente da República resolveu inovar e, veja só, colocou novamente um médico para tocar a pasta há um mês, no dia 23 de março. Percebam que eu não disse "comandar", porque, como todos sabem, o verdadeiro ministro, o formulador da catástrofe, aquele que deve ser o alvo principal da CPI da Pandemia, é Jair Bolsonaro.
Alertamos no mês passado que, mais do que uma mudança de rumos, a troca por Marcelo Queiroga foi uma tentativa de lavagem de marca. Afinal, a imagem do governo precisava de um tapa após pessoas sufocarem em Manaus por falta de oxigênio, agonizarem em hospitais por falta de leitos de UTIs e morrerem por insuficiência de doses de vacina, já vez que o governo se negou a compra-las no momento certo.
Para quem acreditava que tudo seria melhor que um Pazuello, também avisamos que colocar um médico mais discreto e que não nega a ciência, mas que topa se sujeitar às loucuras presidenciais, poderia ter um resultado tão ruim quanto. Pois, deixando de lado a agressividade e a loucura, ele teria mais legitimidade para manter as coisas como estão. Como o amplo uso de remédio ineficazes e perigosos no tratamento da covid-19.
A entrada de Queiroga mudou pouca coisa neste primeiro mês. O doutor pode até não ser um terraplanista, mas está longe de não agir como um. O que mostra que Pazuello, mais do que um sobrenome, tornou-se uma categoria que explica muita coisa. Queiroga, até agora, se mostra um Pazuello.
O fato dele ter aceitado manter olavistas que são considerados piadas entre seus pares respeitados comandando áreas importantes do Ministério da Saúde diz que a tal "liberdade" que ele teve do presidente para montar equipe é preocupante. Diz mais ainda ele sistematicamente passar pano para as aberrações do seu chefe, que continua promovendo aglomerações e atacando o uso de máscaras.
Sem criar polêmica, Queiroga simplesmente avisou nesta semana que o fim da vacinação do grupo prioritário, mais de 77 milhões de pessoas, foi adiada de maio a setembro, o que, na prática, isso empurra uma parte do restante da população para 2022. Apesar do tamanho do que isso significa (a prorrogação da pandemia no Brasil), o informe, repassado de forma técnica e sem os bolsonarismos de Pazuello, pouco repercutiu.
No último lance bizarro, o chefe da Saúde, em uma entrevista a Paulo Cappelli, no jornal O Globo, nesta sexta (23), afirmou que prepara um protocolo com a utilidades de substâncias que estão sendo usadas pelos médicos no tratamento à covid-19. E, como era de se esperar de alguém que reproduz o desejos do presidente, vai incluir aqueles comprovadamente ineficazes, como a cloroquina e a ivermectina.
"Hoje há consenso amplo de que essa medicação em pacientes com covid grave, em grau avançado, não tem ação, embora em pacientes no estágio inicial, existem alguns estudos observacionais que mostram alguns benefícios desses dois fármacos que você citou [cloroquina e ivermectina]. É uma questão técnica que médicos avaliam e, aí, tomam a decisão em relação à prescrição", afirmou.
Diante da saudável incredulidade do repórter, que pediu os estudos, Queiroga respondeu que eles são vários e ele não iria nominar - até porque, se fizesse, eles seriam devidamente refutados entre médicos não-charlatães. E ainda teve a pachorra de comparar os medicamentos usados na farsa bolsonarista do "tratamento preventivo" com outros que aplacam os sintomas de condições mais graves da doença, como corticóides.
Perguntado sobre o fato de Bolsonaro ter alertado, em dezembro, que quem usasse a vacina da Pfizer poderia virar "jacaré", Queiroga mostrou que, além de cardiologista, também é especialista em passar pano.
"O presidente é excelente comunicador e tem uma maneira própria de se comunicar com a população brasileira. Talvez quando o presidente falou isso, ele estava alertando acerca da importância de se verificar segurança não só das vacinas, mas de todos os medicamentos", afirmou também na entrevista.
Bolsonaro, que tinha negado 70 milhões de doses desse imunizante no ano passado, diante das críticas, comprou 100 milhões dele no mês passado. Essa demora custou vidas. Queiroga defende que o chefe não pode ser culpado por isso, apesar de Jair ter, orgulhosamente, rechaçado as vacinas.
E sobre a promoção de aglomerações e o não uso de máscara por parte de Jair, o quase-ministro da Saúde, disse que o chefe tem usado máscara sim e que não vê desestímulo.
"Quem tem que julgar a conduta das pessoas é a História. Não sou eu. Minha função não é ficar vigiando as atitudes do presidente da República", disse ele na entrevista.
Errado. A História julgará sim o presidente como alguém que, deliberadamente, mandou seu próprio povo à morte para proteger de forma ineficaz e estúpida a economia e tentar facilitar sua reeleição em 2022. Bolsonaro não gosta, mas quem faz isso tem um nome.
Mas quem tem e deve julgar a conduta do presidente e dos ministros, inclusive a dele próprio, é o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal. E neste momento. A questão é se as nossas instituições serão capazes disso ou entregarão a responsabilidade aos tribunais internacionais e à História. Se fizerem isso, terão a mesma utilidade de um médico que receita cloroquina para covid-19.