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Leonardo Sakamoto

REPORTAGEM

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Por imunidade de rebanho, Bolsonaro mandou país à morte, diz membro da CPI

19.fev.2021 - Sem máscara, presidente Jair Bolsonaro causa aglomeração em Campina Grande (PB) - Alan Santos/PR
19.fev.2021 - Sem máscara, presidente Jair Bolsonaro causa aglomeração em Campina Grande (PB) Imagem: Alan Santos/PR

Colunista do UOL

26/04/2021 13h50

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"Bolsonaro prefere a acusação de ter cometido erros diante da covid-19, é mais confortável para rebater. Pois ele deliberadamente adotou ações para estimular o contágio da população e perseguir a tese da imunidade de rebanho."

A avaliação é do médico e senador Rogério Carvalho (PT-SE), suplente de seu partido na CPI da Pandemia - que deve começar os trabalhos nesta semana, analisando as ações e omissões da administração federal durante a crise.

"Pretendemos apontar que o presidente sistematicamente expôs o povo à morte para cumprir essa tese", afirma.

Diante da informação revelada com exclusividade por Rubens Valente, colunista do UOL, de que a Casa Civil da Presidência da República enviou uma tabela com 23 acusações frequentes sobre o desempenho do governo na pandemia a 13 ministérios, pedindo respostas para subsidiar a defesa, Carvalho alerta que aquilo é visto como falha é parte de uma estratégia.

"Esse governo é ruim, não tonto. Do ponto de vista da politica, ele é um grande jogador. Quando quer, empurra o debate público para longe do que não quer que seja visto. Por isso, não podemos perder o foco naquilo que ele fez, mais do que no que deixou de fazer. Ele agiu como genocida, foi deliberado", afirma.

Em sua avaliação, Bolsonaro desde cedo abraçou a tese de que o coronavírus deixaria de circular quando uma ampla parcela da população fosse infectada naturalmente.

Carvalho, que é doutor em Saúde Coletiva pela Universidade de Campinas (Unicamp), diz que empresários bolsonaristas e conselheiros, como o ex-ministro Osmar Terra, garantiram que alguns milhares morreriam com isso.

Entretanto, o país deve atingir 400 mil óbitos nesta semana. E o número seria ainda maior se Estados e municípios não tivessem batido de frente com o presidente e assumido medidas de isolamento social.

Além disso, há mutações do vírus que podem reinfectar que já se contaminou anteriormente.

"O fato de Bolsonaro não ter usado máscaras, incentivado aglomerações, tachado a pandemia de gripezinha, promovido aquela bobajada de cloroquina e ivermectina, evitado investimento em comunicação preventiva, enfrentado governadores foi para colocar em prática essa tese, mostrando para as pessoas que elas deveriam se expor", afirma.

Carvalho diz que a tese de imunidade de rebanho valeria para doenças benignas, não para uma com alto poder de contágio e letalidade. E que, no ano passado, houve amplo relaxamento quando a primeira onda ficou sob controle.

"Manaus acreditou que havia alcançado a imunidade de rebanho e aconteceu o que aconteceu."

Lista de 23 acusações é pequena e insuficiente

Um senador que adota posição de neutralidade quanto ao governo, e pediu para não se identificar, comentou com a coluna que a lista de 23 acusações é apenas aparentemente extensa.

Ele disse estranhar que algumas coisas ficaram de fora por parte da Casa Civil. E não sabe dizer se isso foi incompetência ou proposital.

Por exemplo, o item 21 traz a seguinte acusação que o governo quer refutar: "O presidente Bolsonaro pressionou Mandetta e Teich [ex-ministro da Saúde] para obrigá-los a defender o uso da hidroxicloroquina".

Contudo, as questões mais duras envolvendo esse tema são outras.

Passa pela distribuição de remédios ineficazes como política pública; a existência de investimento duvidosos para a sua produção, incluindo suspeitas de superfaturamento; e a realização de campanhas promovendo tratamento ineficaz com dinheiro público por parte da Secretaria de Comunicação (Secom) e do Ministério da Saúde sob a gestão Eduardo Pazuello.

Ou o item 9, que afirma que "O Governo demorou a pagar o auxílio-emergencial". Tão duras quanto as críticas sobre a fome causada pelos 96 dias entre Jair Bolsonaro interromper o pagamento do benefício, entre 31 de dezembro, e sua retomada, em 6 de abril, está também o valor do auxílio.

Na primeira onda, ele foi de R$ 600/R$ 1200 por domicílio, o que foi reduzido para R$ 300/R$ 600 quando ela arrefeceu no segundo semestre. Contudo, na segunda onda, mais mortal que a primeira, o valor pago tem sido de R$ 150/R$ 250/R$ 375 por domicílio - o piso é insuficiente para comprar 23% de uma cesta básica em São Paulo, de acordo com o Dieese.

A transferência desses baixos valores, que não garantem que uma família fique em casa com tranquilidade, tem levado o governo a ser acusado de sabotar o isolamento social.