Topo

Leonardo Sakamoto

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Ao agredir jornalista, bolsonarismo celebra a República Miliciana do Brasil

23.mai.2021 - Repórter da CNN precisou ser escoltado durante ato pró-Bolsonaro no Rio de Janeiro após ser alvo de agressões - Reprodução / Twitter
23.mai.2021 - Repórter da CNN precisou ser escoltado durante ato pró-Bolsonaro no Rio de Janeiro após ser alvo de agressões Imagem: Reprodução / Twitter

Colunista do UOL

24/05/2021 02h49

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

O repórter Pedro Duran, da CNN Brasil, foi vítima de agressões por parte de uma turba de seguidores de Jair Bolsonaro durante uma aglomeração de apoio ao presidente no Aterro do Flamengo, neste domingo (23), no Rio.

Uma escolta policial foi formada para retirá-lo do local em segurança. Se vivêssemos em uma democracia saudável, uma escolta policial seria formada para garantir que ele continuasse realizando seu trabalho e impedir que a liberdade de imprensa se tornasse letra morta na Constituição.

Outros jornalistas que cobriam a aglomeração também foram xingados e ameaçados. Em meio ao início da terceira onda da pandemia, ela contou com a presença do próprio Bolsonaro e do general Eduardo Pazuello, ex- ministro da Saúde. Ambos estavam sem máscara, provavelmente em louvor ao coronavírus.

Cenas como a deste domingo, de bolsonaristas atacando jornalistas, se tornaram recorrentes na República Miliciana do Brasil - onde pessoas acertam suas divergências na base do justiçamento e do linchamento, após decidirem quem tem direitos e quem tem só deveres. E onde grupos de seguidores atuam do presidente para silenciar e punir, nas redes e fora delas, aqueles que fiscalizam seu líder e denunciam as irregularidades que ele comete.

A situação lembra outra aglomeração, de 3 de maio do ano passado, em frente ao Palácio do Planalto, quando outra turba de fãs de Bolsonaro chutou e esmurrou o fotógrafo Dida Sampaio e atacou o motorista Marcos Pereira, ambos do jornal O Estado de S. Paulo. Outros profissionais de imprensa também foram empurrados e xingados.

Enquanto isso, da rampa da sede do governo, o ocupante da Presidência sorria e acenava para uma multidão que pedia o fechamento do Supremo Tribunal Federal e do Congresso Nacional e o fim das medidas de isolamento social. Celebrava-se, a propósito, o Dia Mundial da Liberdade de Imprensa.

Bolsonaro é o responsável pela violência contra jornalistas cometida em seu nome. Não é necessário que ele demande uma ação. Suas postagens e discursos, acusando a imprensa de mentir quando a narração dos fatos lhe desagradava, alimentam naturalmente as milícias que agem para defendê-lo, tornando a vida de outros um inferno.

Para muitos de seus seguidores, um ataque à imprensa em nome de Bolsonaro é uma missão civilizatória, quase divina.

O Relatório da Violência contra Jornalistas e Liberdade de Imprensa no Brasil, elaborado pela Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas), aponta que 2020 foi o pior ano para a nossa profissão desde que a entidade começou o levantamento no início da década de 1990. Foram 428 ataques, um aumento de quase 106% em relação ao ano anterior. Desse total, Jair Bolsonaro respondeu sozinho por 175 registros - ou seja 41%.

É claro, como já disse aqui mais de uma vez, que há outros políticos, da esquerda à direita, que ostentam militâncias intolerantes, que já chegaram às vias de fato contra jornalistas. Esses casos também merecem repúdio. Mas inspirados por um presidente que usa o ódio como instrumento diário de política, estamos atolados até o pescoço de lama.

A imprensa erra? O tempo todo. Há posicionamento ideológico de empresas? Claro, basta ver os editoriais. Mas quando erros e falhas acontecem, a Justiça existe para obter reparações. O que esse pessoal quer é outra coisa. Em meio à derrocada das instituições, buscam justiçamento, querendo algo que não está na lei.

Seria leviano comparar o que acontece hoje com os Camisas Negras do fascismo italiano, que atacavam jornalistas que desagradavam seus líderes. Até porque, a Itália da primeira metade do século 20 não contava com nossa tecnologia de comunicação, que garante que ações de justiçamento sejam promovidas de forma imediata e massiva.

Diante de quase 450 mil mortos, 14,4 milhões de desempregados, 14,5 milhões de miseráveis, 19,1 milhões de famintos e uma CPI da Covid mostrando que o presidente deliberadamente adotou a estratégia de contaminar a população para que o vírus parasse de circular, Bolsonaro deve ir para o ataque cada vez mais. Pois é isso o que ele faz quando está fragilizado.

Daqui até outubro do ano que vem, veremos mais aglomerações de pré-campanha eleitoral como as que ele organizou em Brasília, em Açailândia (MA) e no Rio de Janeiro. Vai excitar seus seguidores para defende-lo e ajudar em sua reeleição.

Se o terreno estava ruim para a imprensa, principalmente as jornalistas mulheres, que ele elege como alvos preferenciais, a situação deve piorar.

Cabe à sociedade decidir se quer uma imprensa livre, mesmo que discorde dela, e sair em sua defesa. Ou está satisfeita com a proposta colocada à mesa por Bolsonaro: substituir a pluralidade por uma "Verdade" ditada por ele em lives no Facebook ou em posts no Twitter.

Uma verdade rasa que esconde um desprezo pela vida e um profundo vazio de políticas para o Brasil e que serve como cortina de fumaça para encobrir os casos de corrupção de sua família. Uma verdade fabricada, que agride quando questionada e que não aceita o contraditório.