Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Líder de Bolsonaro aduba o caos ao defender que Justiça seja ignorada
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Ricardo Barros (Progressistas-PR) provou que realmente merece o posto de líder do governo Jair Bolsonaro na Câmara dos Deputados. Em um evento, nesta terça, afirmou que vai chegar uma hora em que as decisões judiciais não serão mais cumpridas.
"O Judiciário vai ter que se acomodar nesse avançar nas prerrogativas do Executivo e Legislativo. Vai chegar uma hora em que vamos dizer [para o Judiciário] que simplesmente não vamos cumprir mais. Vocês cuidam dos seus que eu cuido do nosso, não dá mais simplesmente para cumprir as decisões porque elas não têm nenhum fundamento, nenhum sentido, nenhum senso prático", afirmou, em evento do jornal Correio Braziliense e da Confederação Nacional da Indústria (CNI).
Ele questionava uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que obrigou o governo federal a realizar o Censo, pelo menos, em 2022 (era para ter sido feito, originalmente, em 2020).
Pelo enfrentamento que propõe ao STF, a declaração encontra eco em falas do presidente da República.
Por exemplo, em 28 de maio de 2020, após uma operação da Polícia Federal (para cumprir mandados de busca e apreensão por determinação do STF como parte do inquérito das fake news) atingir seus aliados, Bolsonaro soltou o, hoje, icônico "acabou, porra!". E o não me os icônico "não teremos outro dia como ontem, chega". Disse que se STF e Congresso querem continuar sendo respeitados, eles têm que respeitar o Executivo.
No dia anterior, em uma live, o deputado federal Eduardo Bolsonaro, filho do presidente, já havia falado em "momento de ruptura" e que a questão não era de "se", mas "quando" ele iria ocorrer.
Em 30 de abril, depois que o ministro Alexandre de Moraes anulou a nomeação de Alexandre Ramagem para o comando da Polícia Federal, Bolsonaro afirmou: "Eu respeito a Constituição e tudo tem um limite." Também disse: "Ontem quase tivemos uma crise institucional, quase. Faltou pouco".
Já em 5 de maio deste ano, ao criticar medidas de isolamento social nos Estados, afirmou que tomaria uma medida drástica se isso continuasse e que "não ouse contestar, quem quer que seja". Foi mais fundo: "Nas ruas já se começa a pedir que o governo baixe um decreto. Se eu baixar um decreto, vai ser cumprido, não será contestado por nenhum tribunal".
E não é só o presidente e sua família. Diante de um pedido de apreensão de celulares de Jair Bolsonaro, e de seu filho, o vereador Carlos Bolsonaro, feito pelo PDT, PSB e PV, como parte de uma notícia-crime protocolada no Supremo Tribunal Federal, o então ministro Celso de Mello enviou para a decisão do procurador-geral da República, Augusto Aras, em maio do ano passado. Isso gerou tensão com o Palácio do Planalto.
O ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, general Augusto Heleno, publicou uma nota que foi considerada uma ameaça às instituições democráticas. "O Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República alerta as autoridades constituídas que tal atitude é uma evidente tentativa de comprometer a harmonia entre os poderes e poderá ter consequências imprevisíveis para a estabilidade nacional", diz o trecho final da nota. A apreensão não foi determinada pelo PGR.
Em fevereiro de 2020, o mesmo general Heleno, havia conclamado o governo a não ficar "acuado" pelo Congresso Nacional e pediu para o presidente "convocar o povo às ruas".
"Não podemos aceitar esses caras chantageando a gente. Foda-se", afirmou ao ministro da Economia, Paulo Guedes, e ao então ministro-chefe da Secretaria de Governo, general Luiz Eduardo Ramos. A declaração estava em um áudio captado em uma live, em que ele dizia não ser aceitável o Poder Legislativo avançar sobre recursos do Executivo. Ou seja, não é só coisa para inglês ver.
Todas essas declarações fazem parte de uma estratégia para excitar a militância, ameaçar outras instituições a ceder, testar os limites dos freios e contrapesos e produzir cortinas de fumaça sobre os problemas do país que o governo Bolsonaro não quer ou não consegue resolver.
Como já disse aqui várias vezes, o Brasil entrou na "Era do Foda-se". Apesar do Supremo Tribunal Federal e às vezes o Congresso Nacional conseguirem, aqui e ali, aplicarem freios e contrapesos constitucionais a comportamentos lunáticos e violentos do governo, o Executivo tem muito poder no Brasil. Ainda mais quando conclama seguidores contra as instituições. O que se traduziu até em atentados com fogos de artifício contra o STF e ameaças de mortes aos ministros.
E o que é a "Era do Foda-se"? Sabe aquele esforço para se preocupar com as consequências das próprias ações e palavras e, no mínimo, manter as aparências? No contexto em que estamos, ele se aposenta ou tira férias, mandando avisar que só dá as caras quando a democracia plena voltar. Até lá, cada autoridade ou membro da elite deste país pode falar ou fazer o que quiser, sem medo da repercussão negativa junto à população. Até porque, convenhamos, foda-se.
A Era do Foda-se tem suas consequências. Primeiro, forças policiais alinhadas ao presidente nos Estados começam a achar que podem fazer o que quiserem - de formar milícias, passando por cegar a população, até realizar motins. Vendo autoridades darem de ombros para a razão, a população vai deixando de acreditar naquilo que nos mantém unidos como país. E passam a descumprir leis, regras e normas porque percebem que não valem muita coisa mesmo.
Se o presidente da República e seus aliados desrespeitam as leis, por que seus seguidores não podem desrespeitar também?
E com a capitulação de boa parte do Congresso Nacional a Bolsonaro através do acordo de leasing estabelecido com o centrão, o Supremo Tribunal Federal, com todos os seus problemas, se tornou uma das últimas instituições a frear ímpetos autoritários do presidente. Por isso, se torna alvo.
Se isso é o bastante ou até quando ele aguenta, não sabemos.