Topo

Leonardo Sakamoto

REPORTAGEM

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

Reforma Tributária trata classe média como super-rico, avalia especialista

Ueslei Marcelino/Reuters
Imagem: Ueslei Marcelino/Reuters

Colunista do UOL

03/07/2021 12h48

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

A proposta de Reforma Tributária que está sendo analisada no Congresso Nacional, apesar de avanços como a volta da taxação de dividendos, falha em não atacar, de fato, com regressividade de nosso sistema de cobrança de impostos sobre a renda. Traduzindo: os muito ricos, que deveriam arcar com alíquotas maiores, estão sendo preservados.

Essa é a avaliação de Eduardo Fagnani, professor do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e do Trabalho e que coordenou a elaboração da proposta de Reforma Tributária adotada pela oposição.

Fagnani destaca dois problemas. Primeiro, o projeto não propõe criar novas faixas de alíquotas do Imposto de Renda de Pessoa Física de 35%, 40% e 45%, que poderiam ser aplicadas, segundo ele, a quem ganha a partir de R$ 40 mil mensais.

"Não tem cabimento uma alíquota máxima de 27,5%. Quem ganha R$ 5 mil ou 100 mil não pode pagar a mesma alíquota máxima. Isso contraria o "princípio equidade, que é liberal", questiona Fagnani.

Ele avalia que a isenção de quem ganha até R$ 2,5 mil é correta. Mas, sem novas faixas de imposto de renda, as deduções serão transferidas para os mais ricos, ampliando a regressividade.

Fagnani também elogia o fim da dedução de juros sobre o capital próprio e o retorno da taxação de dividendos, os lucros pagos a acionistas de empresas, que havia sido extinta em 1995 - Brasil e Estônia são os países que não taxam dividendos. As ações têm sido defendidas pelo ministro da Economia, Paulo Guedes.

O governo propôs taxar em 20% os dividendos e reduzir o Imposto de Renda cobrado das empresas em 5%. Apesar da diferença numérica, em valores, o aumento de um lado e a redução de outra se equilibram, segundo o governo. Portanto, não haveria aumento da carga tributária.

Propõe-se uma isenção para dividendos mensais de até R$ 20 mil, distribuídos por micro e pequenas empresas.

Mas há o segundo problema: fora essa isenção, a proposta quer taxar em 20% os dividendos de todos, sem diferenciação.

Dois indivíduos que ganham R$ 1 mil e R$ 1 milhão de dividendos mensais de ações de um grande banco pagariam a mesma alíquota. "Qual a justiça fiscal se você tem 20% fixo? Nenhuma", afirma Fagnani.

Ele defende que a taxa para pequenos investidores que recebam pouco, muitas vezes aposentados da classe média que juntaram algo para completar renda, seja diferente dos grandes investidores.

De acordo com ele, grande parte dos países submete tanto a renda do trabalho quanto à do capital a uma mesma progressividade nas alíquotas. Ou seja, quanto mais a pessoa recebe em dividendos, maior a porcentagem da alíquota que ela tem que pagar.

"Estamos passando uma das crives mais graves no capitalismo. O Congresso Nacional precisa incluir, de fato, a tributação progressiva na renda sob o risco de mantermos as distorções no sistema que só alimentam a desigualdade social", conclui.

Proposta quer taxar renda e patrimônio da população mais rica do país

Tributar os super-ricos pode arrecadar cerca de R$ 292 bilhões anuais. É o que defendem a Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital (Fenafisco), a Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip), os Auditores Fiscais pela Democracia (AFD)\, o Instituto Justiça Fiscal (IJF), entre outras instituições.

Eles apresentaram 11 propostas legislativas que estão em consonância com o plano de Reforma Tributária formulado por seis partidos de oposição, que também tramita no Congresso.

A tributação sobre patrimônio é criticada entre determinados economistas, que juram que os bilionários brasileiros iriam tirar o dinheiro do país. Contudo, apenas o Imposto sobre Grandes Fortunas arrecadaria R$ 40 bilhões nos cálculos desse grupo de entidades, maior que o orçamento do Bolsa Família.

O resto viria de uma maior progressividade do Imposto de Renda de Pessoa Física (R$ 160 bilhões, incluindo a taxação progressiva de dividendos), no aumento temporário da alíquota da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido de setores econômicos com alta rentabilidade (R$ 30 bilhões), pela criação da Contribuição Social Sobre Altas Rendas (R$ 25 bilhões), entre outros.

O Imposto sobre Grandes Fortunas taxaria patrimônios superiores a R$ 10 milhões, abraçando 60 mil pessoas. E o Imposto de Renda aumentaria paulatinamente para quem ganha mais de R$ 23,8 mil por mês - que, segundo eles, perfazem 1,1 milhão de pessoas, 3,6% dos contribuintes. A alíquota mais elevada (45%) incidiria sobre 211 mil contribuintes (0,1% da população) que ganham mais de R$ 60 mil por mês.

Hoje, a classe média paga mais impostos em relação à sua renda do que multimilionários e bilionários devido à não taxação de dividendos, à baixa taxação de Imposto de Renda de Pessoa Física, entre outras manobras. A oposição quer aproveitar a Reforma Tributária para, além de garantir progressividade real na cobrança de impostos, reduzir a taxação na produção e comercialização e aumentar na renda e na riqueza.