Topo

Leonardo Sakamoto

REPORTAGEM

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

MP de Bolsonaro dá salvo-conduto para ataques às eleições e à saúde pública

Colunista do UOL

06/09/2021 18h01

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

Jair Bolsonaro editou, nesta segunda (6), a Medida Provisória 1068/2021 com o objetivo de limitar a autonomia de Facebook, Twitter e Google para remover conteúdos e contas em suas redes sociais. Especialistas ouvidos pela coluna afirmam que a medida é um salvo-conduto para ataques à integridade eleitoral e à saúde pública, que ele e seus aliados vêm realizando, bem como para a promoção de desinformação e notícias falsas.

A MP, tomada na véspera das manifestações golpistas convocadas pelo presidente, altera o Marco Civil da Internet, demandando uma "justa causa" para as remoções. Bolsonaro e seus aliados tiveram conteúdos e contas removidos nas redes sociais por ódio e desinformação.

"A medida apresenta os casos em que a exclusão de contas ou a moderação de conteúdos são consideradas justificadas. Quando comparamos esses casos com os termos de uso das plataformas, vemos que algumas coisas ficaram de fora, entre elas as políticas de covid-19, as políticas contra notícias falsas e as políticas de proteção da integridade das eleições", afirma Pablo Ortellado, professor do curso de Políticas Públicas da Universidade de São Paulo e coordenador do Monitor do Debate Político no Meio Digital.

"Assim, com a MP, postagens que recomendarem tratamentos médicos sem base científica, que fizerem afirmações factualmente falsas ou que participarem de campanhas para tirar a credibilidade das eleições, não poderão mais ser moderadas", avalia. Exatamente situações em que ações recentes do presidente e de seus aliados se enquadrariam.

As opções de justa causa incluem mensagens em desconformidade com o Estatuto da Criança e do Adolescente, nudez e atos sexuais, pedofilia e tráfico, apoio a organizações criminosas ou terroristas, promoção de drogas ilícitas, violência contra animais, incitação contra a segurança pública, disseminação de vírus de computador e descumprimento de ações judiciais.

De acordo com a Coalizão Direitos na Rede, que reúne 50 entidades da sociedade civil e organizações acadêmicas que atuam em defesa dos direitos digitais, a MP copia a minuta de um decreto que quase foi editado por Bolsonaro em junho. E conta com os mesmos vícios de ilegalidade que o documento anterior.

"O debate sobre a regulação das grandes plataformas é importante e deve avançar no Congresso Nacional, mas a iniciativa de Bolsonaro é ilegal e inconstitucional e contribui para que discurso de ódio e os ataques a instituições democráticas se mantenham na rede", afirma Bia Barbosa, pesquisadora em liberdade de expressão e integrante da Coalizão Direitos na Rede.

As organizações explicam que o artigo 19 do Marco Civil diz que Facebook, Google e Twitter somente podem ser responsabilizados juridicamente por mensagens produzidas por terceiros se, ao receberem uma ordem judicial de remoção, não a cumprirem. Mas permite que as plataformas tenham suas próprias políticas de moderação, com regras do que pode ser publicado, que são aceitas pelos usuários para aderir ao serviço.

A MP de Bolsonaro limita as regras das plataformas para a moderação de conteúdo aos itens citados. E dificulta para o resto. Para Barbosa, isso levaria uma rede social a ser impedida de reduzir o alcance de postagens que defendam o uso de tratamentos ineficazes para a Covid-19 ou que afirmem que as urnas eleitorais brasileiras sofreram fraude se não receber uma ordem judicial.

Apesar de afirmar no texto da MP que a medida age "em observância à liberdade de expressão, comunicação e manifestação de pensamento", Bolsonaro altera o modelo de responsabilidade de intermediários estabelecido pelo artigo 19 do Marco Civil da Internet, sem qualquer consulta a órgãos competentes, como o Comitê Gestor da Internet no Brasil, como determina a lei, ou à sociedade.

Especialistas apontam que a mudança proposta por ele afeta questões de cidadania e, portanto, contraria o artigo 62 da Constituição que trata da vedação de temas para as Medidas Provisórias.

Relator do Marco Civil vai pedir devolução da MP para o governo

O líder da oposição na Câmara dos Deputados e relator do Marco Civil da Internet, Alessandro Molon (PSB-RJ), afirmou que vai pedir que a MP seja devolvida ao governo federal e entrará com uma ação na Justiça para que seja declarada a sua inconstitucionalidade.

"Seu objetivo não é proteger a liberdade de expressão, o que o Marco Civil já faz. O que deseja é impedir que a desinformação e o discurso de ódio que ele e seus apoiadores espalham possam continuar a ser removidos pelas plataformas", afirmou Molon.