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Leonardo Sakamoto

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Bolsonaro ignora inflação, fome e desemprego e elege Moraes vilão do Brasil

Colunista do UOL

07/09/2021 17h14

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O combate à inflação, ao desemprego, à fome e às crises energética e hídrica foram os grandes ausentes nos dois discursos que Jair Bolsonaro fez sobre os problemas do país, na Esplanada dos Ministérios, em Brasília, e na avenida Paulista, em São Paulo, nesta terça (7). Ignorando que governa para 213 milhões de pessoas, o presidente produziu uma peça para excitar o rebanho bolsonarista, elegendo como o grande vilão nacional o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal.

Apesar das pautas econômicas estarem em primeiro lugar na preocupação dos brasileiros, seguidas pela saúde (pandemia), segundo levantamento da Quaest Pesquisa e Consultoria, Bolsonaro convenceu seus fãs que a principal crise do país é de ameaça à liberdade. No caso, a sua liberdade de atacar a democracia. Paradoxalmente, ele faz isso citando a defesa da democracia, repetindo a fórmula de governantes autoritários antes dele.

Jair dedicou seus discursos a alimentar a ideia de que o STF quer criar uma ditadura no país porque impede o bolsonarismo de ter liberdade absoluta, seja para atacar o sistema eleitoral, difundir remédios sem eficácia para a covid-19 ou propagar notícias falsas. Tanto que editou uma Medida Provisória, nesta segunda (6), impedindo a remoção de conteúdo de ódio e desinformação por parte do Facebook, Twitter e Google. Quer manter o direito de produzir cortinas de fumaça sobre a incompetência e corrupção de seu governo. Mas não só.

Bolsonaro trabalha duro para implantar o cada um por si no lugar do Estado

Nos dois atos em que esteve presente, o presidente não citou ações para resolver os problemas que atingem 14,4 milhões de desempregados, segundo o IBGE, e 19 milhões de famintos, nem afirmou como vai reduzir uma inflação que aumentou em 22% a cesta básica em 12 meses, segundo o Dieese. Muito menos falou sobre a sua estratégia para garantir que o preço dos combustíveis, do gás de cozinha e da energia elétrica parem de escalar. Ou como vai impedir apagões e racionamento de água até o final do ano.

Pior: as micaretas golpistas que ele organiza e seu comportamento antidemocrático só atrasam a retomada porque jogam incerteza política sobre o país, afastando investidores e consumidores.

Após atacar Alexandre de Moraes, responsável pelos inquéritos das fake news e das milícias digitais contra a democracia, investigações que atingem em cheio ele, seus filhos e aliados, afirmou que não obedecerá mais ordens judiciais que o ministro vier a proferir. Se cumprir a bravata, estará dando um golpe no Estado, implementando o caos.

Desde que assumiu o poder, o presidente trabalha para vender a ideia de que o interesse dos indivíduos é sempre mais importante do que o bem-estar da coletividade. Nem todo indivíduo, claro, apenas os que atuam sob uma lógica bolsonarista, sejam eles ruralistas, madeireiros e garimpeiros ilegais, policiais e militares que agem como milicianos, religiosos fundamentalistas, empresários gananciosos.

Ou seja, a liberdade individual de não usar máscara é mais importante que salvar vidas na pandemia; a de desmatar a Amazônia é maior do que a consequente falta de água; a de lucrar a qualquer custo é mais relevante do que a de garantir um mínimo de dignidade aos trabalhadores.

Erra quem pensa que os apoiadores de Bolsonaro são apenas um rebanho acéfalo. Há muita gente interessada em um Estado que saia de cena, permitindo que se implemente a lei do mais forte. Ou melhor, a do mais armado ou do mais rico. Existe quem age como gado, mas quem é sócio na fazenda.

Em um jantar com lideranças conservadores em Washington DC, capital dos Estados Unidos, em março de 2019, Bolsonaro foi bem sincero em seu intento de demolir o país para construir algo novo - à sua imagem e semelhança : "O Brasil não é um terreno aberto onde nós pretendemos construir coisas para o nosso povo. Nós temos é que desconstruir muita coisa. Desfazer muita coisa. Para depois nós começarmos a fazer. Que eu sirva para que, pelo menos, eu possa ser um ponto de inflexão, já estou muito feliz".

Após as manifestações desta terça, ele deve estar exultante. Pois não trouxe soluções para problemas nacionais, apenas erodiu mais um pouco as instituições, para o bem dele mesmo e dos seus. Subiu um degrau nas ameaças às instituições. Nos próximos dias, o país vai se debruçar em resolver a porcaria deixada pelo presidente ao invés de se dedicar ao que realmente importa, como o combate à inflação, ao desemprego, à fome e às crises energética e hídrica.

"Não podemos continuar aceitando que uma pessoa específica da região dos Três Poderes continue barbarizando a nossa população", bradou Bolsonaro em Brasília. Chegamos realmente a um ponto de inflexão. Ele e seus seguidores pensam em Alexandre de Moraes quando dizem e repetem essa declaração. Mas a maioria da população, que não quer guerra, apenas sobreviver no dia a dia, pensa nele.

Bolsonaro sabe disso. Tanto que demonstrou medo da cadeia em seu discurso em São Paulo ao afirmar que para lá, ele não irá nunca. Por isso, o golpe não é uma opção, mas uma necessidade. Afinal, a única forma de ele não sair preso após deixar o cargo é não deixar o cargo.