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Leonardo Sakamoto

REPORTAGEM

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Regra que proíbe demissão de não vacinado é ilegal e serve só para polêmica

Colunista do UOL

02/11/2021 11h24

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A portaria do governo Bolsonaro proibindo a demissão e a não-contratação de trabalhadores que não comprovarem terem se vacinado contra a covid-19, o que vem sendo adotado por parte dos municípios, não vai prosperar e serve apenas para gerar polêmica e distração política.

Essa é a avaliação de ministros do Tribunal Superior do Trabalho e de outros magistrados da Justiça do Trabalho, de procuradores do Ministério Público do Trabalho e de subprocuradores-gerais da República com os quais a coluna conversou. Como podem atuar em ações relacionadas ao tema, preferiram falar de forma reservada.

Em meio ao desgaste de imagem do presidente na reunião do G20 e na COP-26, a cúpula do clima, o ministro do Trabalho, Onyx Lorenzoni, publicou, nesta segunda (1), regra para impedir a demissão de quem não comprovar que se vacinou.

Como ela bate de frente com leis trabalhistas e sanitárias e com a Constituição Federal, além de ir na contramão de decisões do Supremo Tribunal Federal sobre saúde coletiva e de avaliações do Tribunal Superior do Trabalho sobre a garantia de um meio ambiente de trabalho seguro, deve ser derrubada se questionada na Justiça Federal.

De acordo com um dos magistrados, o governo deseja gerar uma polêmica em cima de algo que já está pacificado. Há elementos em abundância para a exigência da vacinação caso o trabalhador tenha que voltar ao convívio coletivo, apontando que a objeção de consciência não pode se sobrepor, neste caso, aos riscos para a segurança do meio ambiente do trabalho.

Para ele, o governo sabe disso. Mas quer a polêmica.

Governo criou portaria sabendo de seus vícios de origem

Na portaria MTP 620, Onyx Lorenzoni afirmou que "ao empregador é proibido, na contratação ou na manutenção do emprego do trabalhador, exigir quaisquer documentos discriminatórios ou obstativos para a contratação, especialmente comprovante de vacinação".

E diz que "considera-se prática discriminatória a obrigatoriedade de certificado de vacinação em processos seletivos de admissão de trabalhadores, assim como a demissão por justa causa de empregado em razão da não apresentação de certificado de vacinação".

É consenso entre os ouvidos pela coluna que o Ministério do Trabalho não pode legislar sobre o tema da discriminação do trabalho, incluindo novos elementos, o que caberia a deputados e senadores. E, vale lembrar, que a própria Câmara dos Deputados passou a exigir certificado de vacinação para a entrada em suas dependências.

Na avaliação de um dos procuradores, o governo Bolsonaro quer, com a medida, jogar a responsabilidade pela exigência de vacinação para os Estados e municípios, da mesma forma que fez com as medidas de isolamento social. Deseja mostrar a seus seguidores mais radicais que tentou garantir a "liberdade dos brasileiros de não se vacinar", mas foi vencido.

Outro procurador aponta que o ministério do Trabalho não detém competência para normatizar sobre matéria cuja competência cabe ao Sistema Único de Saúde (SUS), na forma do inciso II, do artigo 200, da Constituição Federal.

Na portaria 620, o governo Bolsonaro alinhou a discriminação presente na exigência de testes de gravidez ou de esterilização para contratação ou permanência de trabalhadoras à questão da exigência de vacinação. Para um dos ouvidos, a legislação sobre discriminação, que trata de aspectos ético-contratuais, nem de longe pode se confundir com a questão do direito ambiental do trabalho, matéria de direito público.

Um dos magistrados alerta que as empresas devem tomar cuidado. "Elas podem demitir se a presença for indispensável para a execução do trabalho e depois de exercer o poder disciplinar de modo ponderado. Ou seja, começar advertindo. A dispensa é o último recurso", explica.

Vacinação obrigatória foi respaldada pelo STF, inclusive com sanções

Ministros e procuradores citaram que o Supremo Tribunal Federal já considerou constitucional a lei 13.979/2020, que prevê a vacinação compulsória. Na decisão, de 17 de dezembro do ano passado, o STF acordou que a obrigatoriedade da imunização não caracteriza violação à liberdade de consciência.

Isso não significa que pessoas podem ser obrigadas, à força, a se vacinar, como na Revolta da Vacina, no início do século 20. Mas que medidas indiretas podem ser tomadas, proibindo o acesso a lugares de quem nega a imunização, como locais de trabalho.

E, acompanhando sua decisão anterior, que considerou que os diferentes atores da federação podem tomar medidas para combate à pandemia, o STF disse que Estados e municípios também podem impor limitações.

Outro dos ouvidos cita ainda que, no capítulo que trata da segurança e da medicina do trabalho, o artigo 154 da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) afirma que as empresas não estão desobrigadas a cumprir regras que sejam incluídas em regulamentos sanitários de Estados e municípios.

Com isso, diante da omissão do governo federal sobre o tema, outros atores da federação têm adotado medidas para exigir que trabalhadores do setor público e privado apresentem certificado de vacinação ou, ao menos, uma justificativa médica, como a capital paulista.

Entre os ouvidos, a expressão mais repetida junto com "bobagem" e "irresponsabilidade" foi "distração". Houve avaliação consensual de que o governo Bolsonaro está interessado em animar o grupo negacionista de sua militância e gerar polêmica entre os críticos à gestão federal.

Além de criar uma nova cortina de fumaça à imagem tóxica que Jair Bolsonaro vendeu em sua breve e infrutífera passagem por Roma.