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Leonardo Sakamoto

OPINIÃO

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Aborto: Bolsonaro diz 'lutar por crianças', mas sabotou vacina a milhões

Ueslei Marcelino/Reuters
Imagem: Ueslei Marcelino/Reuters

Colunista do UOL

22/02/2022 17h42

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Após colocar a vida de milhões de crianças brasileiras em risco ao tentar sabotar a vacinação infantil contra a covid-19, Jair Bolsonaro declarou, nesta terça (22), que lutará "até o fim para proteger a vida de nossas crianças" ao criticar o direito ao aborto na Colômbia.

O presidente usou sua conta no Twitter para criticar a decisão da Corte Constitucional do país vizinho, que decidiu, nesta segunda (21), que nenhuma gestante poderá ser julgada por aborto realizado até a 24ª semana de gravidez.

"Que Deus olhe pelas vidas inocentes das crianças colombianas, agora sujeitas a serem ceifadas com anuência do Estado no ventre de suas mães até o 6° mês de gestação, sem a menor chance de defesa. No que depender de mim, lutarei até o fim para proteger a vida de nossas crianças!", tuitou em seu nome o vereador Carlos Bolsonaro ou alguém sob suas ordens.

O objetivo do presidente é, claro, angariar votos junto ao eleitorado conservador e religioso, que vê no direito ao aborto legal o portão da entrada do inferno.

O que não é novidade. Em 2020, a ministra Damares Alves mandou emissários a São Mateus (ES) para tentar impedir que uma menina de dez anos, grávida após ser constantemente estuprada pelo tio desde os seis, fizesse um aborto previsto em lei. Dez anos. Estuprada desde os seis. Pelo próprio tio.

Ironicamente, no último Natal, o comportamento de Jair e de seu ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, foram comparados nas redes sociais ao de um personagem bíblico, que viu na vida das crianças um instrumento para seus interesses políticos: Herodes, rei da Judeia.

Diz o Evangelho de Mateus, em seu capítulo 2, que ele ficou preocupado após a visita dos reis magos que buscavam o menino recém-nascido, que seria o rei dos judeus, para adorá-lo, pois temia perder o poder. E que, por via das dúvidas, mandou passar as crianças na espada.

Queiroga e Bolsonaro não ordenaram a morte de crianças, mas são cúmplices de óbitos ao terem dificultado ao máximo o acesso ao imunizante que poderia salvar suas vidas - e saberem disso.

Agradaram, dessa forma, o grupo negacionista de seu eleitorado fiel que prefere ver o capeta do que criança vacinada. Criando uma falsa guerra pela "liberdade", o governo postergou o quanto pode o início da imunização, criando inúteis consultas públicas, ameaçando a equipe da Anvisa, espalhando desinformação.

O coronavírus mata crianças, apesar de ser menos letal do que em adultos, o que já seria motivo para protege-las. O risco de não se vacinar é muitas vezes maior do que qualquer efeito colateral. Isso sem contar que uma criança vacinada reduz a chance de transmissão da covid-19 quando infectada, o que ajuda a frear a circulação do vírus.

A ação de ambos surtiu efeito, uma vez que nosso processo de vacinação de crianças é mais lento que em outros países, mesmo que tenhamos um excelente sistema de imunização graças ao Sistema Único de Saúde.

No fundo, a diferença no comportamento de Queiroga e Bolsonaro e Herodes é que os primeiros colocaram em risco a vida de crianças entre 5 e 11 anos enquanto o segundo teve como foco meninos de até dois anos.

Considerando tudo, a postagem de Jair bem poderia ser usada por outro chefe de governo de um país democrático que, com pena, olhasse para nós neste momento:

"Que Deus olhe pelas vidas inocentes das crianças brasileiras, agora sujeitas a serem ceifadas com anuência do Estado, com um presidente antivacina".

É triste, mas Bolsonaro defende o direito apenas de embriões e fetos. Mas não o de crianças nascidas.

O que me lembra uma das melhores passagens bíblicas. Lucas, capítulo 23, versículo 34: "Pai, perdoa-lhes, pois eles não sabem o que fazem".

Tradutor: Aborto: Bolsonaro diz lutar por crianças, mas sabota vacina a milhões delas

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL