Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Na guerra entre Rússia e Ucrânia, Bolsonaro acende uma vela para cada lado
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A tática de adotar mensagens com posicionamentos contraditórios para atingir públicos diferentes é uma marca conhecida do governo Jair Bolsonaro (PL). Não seria diferente com a guerra na Europa.
Nesta quarta (2), o Brasil votou a favor de resolução das Nações Unidas que condena a invasão russa da Ucrânia. O texto, que tem peso político, foi aprovado por 141 votos a favor, cinco contra e 35 abstenções.
Enquanto isso, Jair Bolsonaro se nega a criticar Vladimir Putin (sua última palavra ao russo ainda é de "solidariedade", dada em Moscou) e protege o colega em coletivas à imprensa e mensagens enviadas a grupos de seguidores - como o compartilhamento de um texto que justifica apoio à Rússia, revelado por Lauro Jardim, no jornal O Globo.
Responde, dessa forma, às pressões internacionais e de aliados políticos por um posicionamento frente ao ataque à integridade territorial de uma nação soberana ao mesmo tempo que tenta reforçar o apoio do agronegócio sob a justificativa de que seu (falso) equilíbrio salvará a importação de fertilizantes e, claro, alimenta seu público ultraconservador, fundamental para a sua reeleição, que é fã do autocrata russo.
O grupo responsável pela comunicação do presidente sabe que pode adotar essa tática, pois não são muitos os pontos de intersecção entre os públicos atingidos pelas mensagens presidenciais. Seus seguidores mais radicais não confiam na mídia não-bolsonarista e os grupos bolsonaristas, principalmente aqueles que usam aplicativos de mensagens, estão distantes dos olhos do grande público.
E mesmo quando acontece uma intersecção, os seguidores mais fiéis do presidente (que variam entre 12% a 15% da população, segundo pesquisas) acreditam que tudo é uma grande estratégia de Bolsonaro, que estaria fazendo de conta que faz o jogo da ONU enquanto luta uma guerra nos subterrâneos em nome da família e das tradições, copiando o estilo Donald Trump.
Essa dupla produção de mensagens se fez presente em vários momentos, como na pandemia de covid-19.
Pressionado pelo governador João Doria (PSDB), que avisou que começaria a vacinar os paulistas antes dele, o presidente passou a defender a vacinação em pronunciamentos de rádio e TV voltados ao público em geral. Enquanto isso, manteve ataques aos imunizantes em discursos voltados aos simpatizantes e em suas lives, dizendo que eles transformariam pessoas em animais ou poderiam até matar.
O mesmo aconteceu na questão ambiental. De um lado, Bolsonaro entregava em seus discursos um salvo-conduto a madeireiros, garimpeiros, grileiros e pecuaristas ilegais com relação ao desmatamento da Amazônia, criticando a fiscalização do Ibama do ICMBio e tentando atropelar leis e normais ambientais. Do outro, bradou indignado na Assembleia Geral das Nações Unidas, afirmando que seu governo faz de tudo para proteger a Amazônia.
A tática visa a, principalmente, manter seu público radical acreditando que Jair é um "mito" mesmo quando é criticado ou obrigado a ceder. Dada a ultrapolarização, que faz com que muita gente à direita e à esquerda só acredite em conteúdos que reafirmem sua visão de mundo, a tática vai dando certo.