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Leonardo Sakamoto

REPORTAGEM

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MPF diz que guerra não é desculpa para permitir mineração em terra indígena

24.abr.2019 - Povos indígenas se reúnem em Brasília em defesa de seus direitos e em embate contra o governo - Adriano Machado/Reuters
24.abr.2019 - Povos indígenas se reúnem em Brasília em defesa de seus direitos e em embate contra o governo Imagem: Adriano Machado/Reuters

Colunista do UOL

08/03/2022 21h22

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O projeto de lei 191/2020, defendido por Jair Bolsonaro para facilitar a mineração em terras indígenas, é inconstitucional. É o que afirma a Câmara de Povos Indígenas e Comunidades Tradicionais do Ministério Público Federal, vinculado à Procuradoria-Geral da República, em nota divulgada nesta terça (8). O presidente quer aprová-lo usando como justificativa problemas no fornecimento de fertilizantes russos que podem ocorrer por conta da guerra na Ucrânia. Defende que a exploração de potássio em territórios indígenas protegerá a agricultura brasileira, o que é contestado pelo MPF.

Em entrevista à Rádio Folha de Roraima, nesta segunda (7), Bolsonaro disse que o conflito trouxe uma "boa oportunidade" para o país. "Por essa crise internacional, da guerra, o Congresso sinalizou em votar esse projeto em regime de urgência", disse. Na verdade, a urgência foi solicitada pelo líder do próprio governo na Câmara dos Deputados, Ricardo Barros (PP-PR).

"O estado de beligerância, de ameaça externa ou mesmo a declaração de guerra entre dois ou mais países não autorizam a diminuição do sistema de proteção internacional dos direitos humanos, particularmente das minorias e de grupos vulneráveis", afirmam os subprocuradores-gerais da República Ana Borges Coelho Santos, Aurélio Rios e Eliana Torelly de Carvalho, que assinam a nota.

"Ao contrário, no estado de guerra deve ser ampliada a rede de defesa dos refugiados, crianças, mulheres e de grupos étnicos minoritários nos termos da Convenção de Genebra." Baseada em vários tratados internacionais, a convenção tem, entre outros objetivos, reduzir os efeitos das guerras sobre a população civil.

Para o MPF, a escassez para a produção de fertilizantes para determinados setores da economia, por mais relevantes que sejam, "não pode servir ao propósito de fragilizar ou aniquilar o direito constitucional dos índios às terras que tradicionalmente ocupam e ao usufruto exclusivo de suas riquezas naturais".

Os subprocuradores-gerais destacam, contudo, que há jazidas de potássio fora de territórios indígenas, não sendo elas, portanto, o impedimento para a produção de fertilizantes.

De acordo com a nota, "o PL 191/2020 contém vício insanável, incompatível com o regime de urgência, uma vez que, como exceção à regra constitucional do usufruto exclusivo pelos índios das terras que tradicionalmente ocupam e usam, a futura regulamentação da atividade de pesquisa e extração minerária nesses locais demanda o prévio debate no Congresso Nacional acerca das hipóteses de relevante interesse público da União".

Tampouco, segundo os subprocuradores-gerais, houve consulta prévia às populações indígenas que serão afetadas pela mudança da lei, batendo de frente com a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, do qual o Brasil é signatário.

"A apresentação do PL 191/2020 e as manifestações de apoio ao garimpo emanadas de algumas autoridades explicam, ao menos em parte, o crescimento dessa atividade ilegal em terras indígenas, o que ameaça comunidades indígenas próximas às áreas de garimpo", afirma a nota, em clara referência ao presidente da República - que vem fomentando, com suas declarações, a mineração ilegal em territórios indígenas.

Por fim, a nota diz que, considerando os danos já registrados e os prejuízos potenciais, a 6ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF "reitera a inconstitucionalidade e a inconvencionalidade" do PL.

E demanda do Poder Executivo, por meio da Funai, do Ibama, da Polícia Federal e do Ministério da Defesa, providências para coibir a mineração ilegal em terras indígenas e a retirada de garimpeiros invasores.

CNBB e indígenas criticam o projeto defendido por Bolsonaro

A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), entre outras organizações, divulgaram, também nesta segunda, uma carta criticando o projeto.

"Não é à toa que ministros e lideranças do governo falam há dois anos em 'passar a boiada' enquanto o povo está distraído. Agora, com o planeta olhando com atenção à guerra que acontece na Europa, parlamentares governistas querem apreciar em regime de urgência essas proposições", afirma o documento.

E criticando o PL 191/2020, afirma que o momento "é um chamado a todos os cristãos para que protejam a vida, os povos originários e as florestas". A carta é assinada pelo presidente da CNBB, Dom Walmor Oliveira de Azevedo, entre outros.

A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) também condenou veementemente o PL, afirmando que, por trás dele, está "a vontade de atender os interesses econômicos que impulsionaram a sua candidatura e sustentam o seu governo, mesmo que isso implique em total desrespeito à legislação nacional e internacional que assegura os nossos direitos fundamentais".