Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Governo censura filme de Gentili para você se esquecer do botijão a R$ 150
Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail
Com botijão de gás sendo encontrado a R$ 150 em São Paulo, gasolina passando de R$ 11 no Acre, além da pornografia que se tornou o preço do café, do óleo de soja, do feijão e da batata em várias capitais, é claro que o governo Jair Bolsonaro iria criar uma polêmica para distrair a insatisfação popular. Afinal de contas, o que é mais importante: cobrar o governo pela inflação ou discutir bobagem na internet?
Desta vez, o serviço sujo ficou a cargo do Ministério da Justiça, que ordenou às plataformas de streaming, nesta terça (15), a censura do filme "Como se tornar o pior aluno da escola", de Danilo Gentili. O argumento é uma cena, protagonizada por um vilão, que estaria, na avaliação dos bolsonaristas, incitando a pedofilia.
O filme tem sido atacado desde o mês passado, quando entrou na Netflix, apesar de ter sido lançado em 2017. Antes fãs do humorista, bolsonaristas o tratam como inimigo após ele criticar o presidente.
O governo aproveitou a bola quicando e chutou, gerando um factoide que ajuda a manter os seguidores de Jair e parte da sociedade entretidos enquanto a qualidade de vida, principalmente da classe baixa e média baixa, vai para o ralo. E não é um factoide qualquer, mas envolve uma acusação de pedofilia - um dos elementos de aglutinação dos ultraconservadores em todo o mundo.
No dia 11 de março, a Petrobras divulgou um mega-aumento no preço da gasolina (18,77%), do diesel (24,9%) e do gás de cozinha (16%) nas distribuidoras - o que já está sendo repassado aos consumidores. No mesmo dia, o IBGE divulgou que o IPCA, a inflação oficial do país, subiu 10,54% nos últimos 12 meses.
Dois dias depois, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Anderson Torres, tuitou: "Assim que tomei conhecimento de detalhes asquerosos do filme 'Como se tornar o pior aluno da escola', atualmente em exibição na Netflix Brasil, determinei imediatamente que os vários setores do Ministério da Justiçaadotem as providências cabíveis para o caso!!"
Não estou aqui para defender o filme, nem Danilo Gentili. Mas a ordem de censura é claramente inconstitucional. Poderia propor reclassificação indicativa, hoje em 14 anos, ou entrar na Justiça contra os responsáveis pelo filme. Mas não fez isso porque o objetivo é criar um instrumento de distração.
Tanto falta embasamento ao despacho que, se o caso chegar ao Supremo Tribunal Federal ou ao Superior Tribunal de Justiça deve cair, sem muito estardalhaço. Isso se as plataformas resolverem cumprir a decisão, flagrantemente ilegal.
O despacho publicado no Diário Oficial é da mesma natureza de uma portaria baixada pelo Ministério do Trabalho, em 1º de novembro do ano passado, proibindo a demissão e não-contratação de trabalhadores que não comprovarem terem se vacinado contra a covid-19, o que vinha sendo adotado por municípios. Foi publicada, gerou barulho, mas nem chegou a ser cumprida de fato, pois, alguns dias depois, o STF a suspendeu.
E, vejam só, não é a primeira vez que Bolsonaro usou estratégias bizarras para esconder a alta do botijão de gás. Em outra cortina de fumaça, no dia 21 de outubro de 2021, ele contou uma mentira mortal: disse que a vacina contra a covid-19 estava levando à Aids. Na época, réplicas infláveis de botijões de gás de cozinha apareciam nas ruas estampando o valor de R$ 130. Ao mesmo tempo, o litro da gasolina custava R$ 7,50, famintos reviravam caminhões de lixo e a conta de luz estava pela hora da morte.
A questão deste governo, nunca é demais lembrar, não é só ética, mas estética e de uma falta de criatividade terrível. Mas como tem sempre chinelo velho para pé cansado, eles repetem e repetem o método.
Como já disse, melhor seria se Jair, da próxima vez que quisesse uma cortina de fumaça, dançasse seminu abraçado a uma melancia. Não é uma cena que minhas retinas cansadas gostariam de ver, mas pelo menos causaria menos dano às instituições da República.