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Leonardo Sakamoto

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Inflação de Bolsonaro devora o Auxílio Brasil de R$ 400, agora permanente

Colunista do UOL

27/04/2022 19h53

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O Auxílio Brasil de R$ 400, que começou com data de validade e, portanto, como um programa eleitoreiro de Jair Bolsonaro, foi transformado em permanente pela Câmara dos Deputados, por 418 votos a 7, nesta quarta (27). Em um ano eleitoral pós-pandêmico, em que a fome se tornou a indesejável amiga de milhões de brasileiros, nem poderia ser diferente. O problema é que a inflação, que reduz acesso à comida, já avisou que uma parte desses R$ 400 já é dela.

A tragédia da covid-19 demonstrou a importância de uma transferência de renda mais parruda para garantir um mínimo de dignidade aos mais pobres e, ao mesmo tempo, impulsionar a economia. O ideal seria que o valor fosse maior e o número de famílias beneficiadas (18 milhões) também, mas é o que temos para hoje.

A manutenção desse piso após 31 de dezembro se torna uma necessidade diante da alta da inflação, que está reduzindo a quantidade de alimentos que os mais pobres, que são os que mais sofrem com os reajustes tresloucados dos preços, podem adquirir.

No mesmo dia em que a Câmara aprovou a mudança, que ainda precisa ser analisada pelo Senado, o IBGE divulgou a prévia da inflação de abril. O IPCA-15 (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo - 15), que registra a variação de meados de março a meados de abril, marcou 1,73% - a maior alteração para uma prévia deste mês nos últimos 27 anos.

Em 12 meses, o acumulado é de 12,03%. Em apenas um mês, o tomate aumentou 26,17%, a cenoura, 15,02%, o leite longa vida, 12,21%, o óleo de soja, 11,47%, a batata-inglesa, 9,86%, o pão francês, 4,36%. E o botijão de gás de cozinha, 16,06%.

Nos últimos 12 meses, segundo o IPCA-15, o grupo de tubérculos, raízes e legumes saltou 68%, o de hortaliças e verduras, 35,76%, o de óleos e gorduras, 26,26%, o de bebidas e infusões, 19,3%, o de aves e ovos, 18,79% e o açúcares e derivados, 18,76%.

A inflação tem componentes externos, como a Guerra na Ucrânia, mas também internos, como um presidente mais preocupado em fazer campanha eleitoral do que governar. Tanto que, enquanto os deputados discutiam o projeto, ele realizava um evento no Palácio do Planalto para se vangloriar por criar mais uma crise junto à Suprema Corte.

Hoje, os R$ 400 do Auxílio Brasil não cobrem uma cesta básica em nenhuma das 17 capitais analisadas mensalmente pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese): São Paulo, Porto Alegre, Florianópolis, Rio, Vitória, Campo Grande, Brasília, Curitiba, Belo Horizonte, Goiânia, Fortaleza, Belém, Natal, Recife, Salvador, João Pessoa e Aracaju - onde está a cesta mais barata, custando R$ 524,99.

Enquanto o presidente faz motociatas e comícios, apontando que os adversários do Brasil são o comunismo, o jornalismo e ministros do STF, famílias disputam restos de comida em caminhões de lixo ou brigam por ossos de boi, como vimos em vídeos e fotos que nos fizeram passar vergonha diante do mundo.

O mais irônico é Bolsonaro nunca gostou de programas de distribuição de renda. Percebeu sua utilidade apenas quando a sua aprovação subiu, em 2020, com o pagamento do auxílio emergencial de R$ 600/R$ 1.200 por residência.

"O Bolsa Família é uma mentira, você não consegue uma pessoa no Nordeste para trabalhar na sua casa. Porque se for trabalhar, perde o Bolsa Família", afirmou em entrevista à Record News, em 2012.

"O cara tem três, quatro, cinco, dez filhos e é problema do Estado, cara. Ele já vai viver de Bolsa Família, não vai fazer nada. Não produz bem, nem serviço. Não produz nada. Não colabora com o PIB, não faz nada. Fez oito filhos, aqueles oito filhos vão ter que creche, escola, depois cota lá na frente. Para ser o que na sociedade? Para não ser nada", disse em entrevista ao documentarista Carlos Juliano Barros, em 2015.

"Não tem como tirar o Bolsa Família do pessoal, como alguns querem. São 17 milhões de pessoas que não têm como ir mais para o mercado de trabalho. Com todo o respeito, não sabem fazer quase nada", explicou, na última quarta (27), em entrevista à TV A Crítica.

O presidente nunca entendeu a distribuição de renda porque nunca quis compreender o combate à fome. Acha que isso é dar dinheiro pura e simples para vagabundo ou incapazes. Não vê que esmagadora maioria dos beneficiários trabalha sim e não quer ficar na miséria, mas precisa de uma mãozinha para comer enquanto isso não é possível - afinal, nem todos tiveram acesso à herança, a oportunidades de educação de qualidade ou a rachadinhas.

Em sua preconceituosa matriz de interpretação do mundo, ele enxerga os pobres como um grupo interesseiro que, diante da oferta de uns caraminguás, prefere parar de trabalhar.

Agora, com a inflação comendo o Auxílio Brasil (que o ajuda, segundo as pesquisas, a reduzir um pouco a distância com Lula junto aos mais pobres), ele precisa mais do que nunca de distração. O problema é que as pessoas podem até esquecer casos de sobrepreço na compra de Viagra para militares, mas não a fome.

Afinal, o ronco do estômago é um incômodo lembrete.