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Leonardo Sakamoto

REPORTAGEM

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Weintraub expõe relacionamento tóxico de Jair Bolsonaro com seus aliados

18.jun.2020 - Jair Bolsonaro e Abraham Weintraub - Reprodução/Facebook
18.jun.2020 - Jair Bolsonaro e Abraham Weintraub Imagem: Reprodução/Facebook

Colunista do UOL

03/05/2022 19h24

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"Simplesmente sumam, desapareçam, nunca mais pisem no Brasil."

O ex-ministro da Educação Abraham Weintraub (PMB) contou que sofreu ameaças de Jair Bolsonaro (PL) para que não atrapalhasse os seus planos eleitorais em São Paulo. Mais do que isso, o que ele relatou assemelha-se a um relacionamento tóxico, no qual o presidente da República mudava de comportamento, sendo mais gentil ou mais agressivo, de acordo com seus interesses.

As declarações foram dadas durante sabatina do UOL e da Folha de S.Paulo, nesta terça (3), com os pré-candidatos ao governo de São Paulo.

"Estava crescendo no meio da militância. Me tornando uma personalidade pública conhecida. Ao mesmo tempo, toda essa máquina de Brasília foi criando ódio ao meu respeito porque não conseguia fazer os 'bons negócios' do MEC", afirma. "Tudo isso resultou na minha demissão. Estava me ameaçando me prender ainda em exercício, como ministro."

Weintraub pediu demissão do Ministério da Educação e foi indicado por Bolsonaro a uma diretoria do Banco Mundial, em Washington DC, por sugestão do ministro Paulo Guedes. Ele havia passado à condição de investigado pelo Supremo Tribunal Federal por ataques ao tribunal.

"Teve a reunião famosa, em que eu me expus", diz o ex-ministro em referência à reunião ministerial de 22 de abril de 2020. Nela, ele afirmou que o povo estava gritando que "a gente tá perdendo a luta pela liberdade". E disse: "eu, por mim, botava esses vagabundos todos na cadeia. Começando no STF".

A gravação da reunião tornou-se pública pelo STF após Sergio Moro afirmar que ela mostraria Bolsonaro tentando interferir na Polícia Federal - razão de saída do ex-juiz e ex-ministro da Justiça do governo.

Ameaça de demissão na véspera de Natal

De acordo com Weintraub, a militância conservadora lançou seu nome espontaneamente ao governo paulista, ainda em 2020, após o fracasso de Celso Russomanno (Republicanos) - candidato apoiado por Bolsonaro à Prefeitura de São Paulo, que terminou em quarto lugar.

"Chegou no final do ano, em dezembro, o presidente mandou duas mensagens por duas pessoas diferentes: 'eu vou te demitir agora'. Na véspera de Natal, e, depois, no Ano Novo. Eu nem sabia razão. Depois, no começo do ano, reforçou o aviso por outras pessoas", afirma. "Estragou meu Natal. Não gostei disso."

Weintraub avalia que, como ele tinha mandato, era difícil simplesmente mandá-lo embora. Mas que começou a consultar advogados locais para garantir um visto de permanência para sua família caso o governo brasileiro conseguisse retirá-lo do cargo - o que garantiria residência.

"E foram várias ameaças", revela. "Até então, a gente procurava conversar com ele. Mas o centrão foi dominando, foi afastando-o."

Segundo Weintraub, Bolsonaro "mandou ameaças por pessoas muitos próximas, com altos cargos no governo". E depois ligou para seu irmão, Arthur Weintraub, que trabalhara no governo e estava agora na Organização dos Estados Americanos (OEA), também em Washington, dizendo que iria retirá-lo do Banco Mundial.

"Meu irmão quis saber: 'presidente, o que está acontecendo, não quer conversar?'" Mas a resposta era para eles não voltarem ao Brasil.

Segundo ele, se ficasse nos EUA, teria apoio para permanecer no cargo o tempo que quisesse.

Na avaliação de Weintraub, a razão para as ameaças era que ele e o irmão começaram a "falar a verdade" e a "chamar a atenção, capturando a atenção da militância" conservadora.

Tanto ele quanto o ex-chanceler Ernesto Araújo mantiveram, após a saída do governo, um discurso alinhado à ala mais conservadora dos seguidores do presidente. Isso incluiu, inclusive, críticas ao relacionamento de Jair com o centrão.

Preocupação de Bolsonaro com apoio a Sergio Moro

O comportamento mais agressivo de Bolsonaro com o ex-ministro teria mudado, segundo ele, quando Sergio Moro se colocou como pré-candidato à Presidência da República.

"Ele ligou para o meu irmão, em um tom tranquilo e suave, e perguntou se íamos apoiar o Sergio Moro. Respondemos que não porque ele tem defeitos pessoais que o inviabilizam como candidato", disse.

"Isso passou. Quando Sergio Moro desmontou a candidatura, o tom de ameaças voltou", relata.

O ex-ministro renunciou ao cargo no Banco Mundial no final de abril e afirma que está voltando ao Brasil para se candidatar ao Palácio dos Bandeirantes. Diz que não precisaria porque ele não é mais funcionário público.

Ele conta com 1% em diversas pesquisas de intenção de voto. Diz, contudo, que pode mudar de ideia e se candidatar a outro cargo. Afirma que não está "na mão do Valdemar da Costa Neto" - presidente do PL, partido pelo qual Bolsonaro concorrerá à reeleição, que foi condenado e preso por corrupção.

Apesar de afirmar que, como não votaria nunca em Lula, optará novamente pelo atual presidente, Weintraub diz que não confia mais em Bolsonaro "para conduzir os rumos do país e o Brasil se tornar um local seguro para eu criar meus filhos e netos". E que o presidente está conduzindo o país para uma "distopia".

Na entrevista, ele relata que conheceu Jair ainda como deputado federal, em 2017, e trabalhou para que ele chegasse ao Palácio do Planalto. Weintraub atuou na transição, no final de 2018, e, depois, no governo.

"O presidente Bolsonaro é uma pessoa que me decepcionou muito. É uma pessoa que eu não confio mais para proteger, para apertar a mão e combinar alguma coisa. Acho que ele é totalmente refém e hoje até aliado dessa estrutura toda", conclui.